Perícia em evidência

O Estado em outra dimensão na comunidade do Salgueiro: sinal de alerta num universo paralelo da violência institucional

É raro preservar uma cena de crime e periciar todos os elementos necessários para a montagem de uma dinâmica do fato quando os fatos envolvem algum tipo de ação policial

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Na segunda-feira da semana passada, dia 22 de novembro, a mídia noticiava que vários corpos teriam sido encontrados em uma região de mangue na comunidade do Complexo do Salgueiro, no município de São Gonçalo – RJ. Até então, as informações eram desencontradas e ninguém conseguia cravar uma explicação para a carnificina.

À medida que os eventos se sucediam, os órgãos de resposta começaram a ser cobrados para se fazerem presentes: perícia, resgate de corpos, remoção de cadáveres, exames periciais no IML, enfim, um rito previsto no Código de Processo Penal em vigência no país chamado Brasil.

Mas, naquela região, um universo paralelo surgido de uma outra dimensão parece ter emergido, com suas próprias regras, ou seria com a sua “falta de regras”? Ali, como em muitos outros locais que recentemente aparecem com cada vez mais frequência, tudo é permitido e nada obedece a uma ordem estabelecida. O que é justiça nesse universo paralelo? O que é respeito à dignidade humana? O que é ordem social? O que é Estado?

Com o passar do tempo, as informações trouxeram mais um caso envolvendo operações policiais, desta vez a ação estaria relacionada à atividade do BOPE – Batalhão de Operações Especiais da PM do RJ. Coincidência ou não, no sábado que antecedeu o evento, o sargento PM Leandro Rumbelsperger da Silva, de 40 anos, havia sido morto por criminosos em um ataque a uma base da PM. Uma operação teria então sido desencadeada, com participação do BOPE.

Vingança? Retaliação? Ajuste de Contas? Extermínio? Não importa, no universo paralelo que se instalou no Salgueiro, todas essas definições resultam em um mesmo  desfecho.

Mas talvez ainda exista uma esperança: o poderoso Ministério Público, órgão que detém o poder de exercer o controle da atividade policial no universo regular na dimensão que conhecemos.

Em uma excelente análise publicada pela Folha de São Paulo, o sociólogo David Marques nos lembra que:

Pesquisa do FBSP revelou que de uma amostra de 316 casos de mortes decorrentes de intervenção policial ocorridos no Rio e em São Paulo em 2016, 90% foram objeto de pedido de arquivamento por parte do Ministério Público. Se o controle da atividade policial não é exercido de forma constante, incluindo os casos de mortes decorrentes de intervenção policial em serviço, ele torna-se virtualmente impraticável nos casos mais extremos e com isso temos a deterioração das instituições e do sistema democrático de segurança e justiça, que se torna refém do arbítrio”.

E quanto aos serviços periciais? Foram devidamente garantidos nesse evento? Conseguimos cumprir o que nós mesmos, como cidadãos, criamos como previsão legal? A resposta é NÃO! Parece cada vez mais frequente, infelizmente, que preservar uma cena de crime, periciar todos os elementos necessários para a montagem de uma dinâmica do fato, é RARO quando os fatos envolvem algum tipo de ação policial. Vide os casos de Jacarezinho e Varginha.

Mas no universo paralelo há uma justificativa para esse tipo de ação: a ficha criminal das vítimas. Rapidamente a própria mídia começou a estampar quais e quantas das vítimas tinham passagens pela polícia. Agora esse aspecto funciona como atenuante para toda a legalização do supremo poder de vida e morte concedido aos justiceiros do universo paralelo.

É nessa Matriz da vida real que estamos vivendo. Podemos escolher sempre em que dimensão queremos estar? A nova dimensão pode crescer e englobar a antiga dimensão? Fica a reflexão.

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