Múltiplas Vozes 21/12/2022

O desafio do governo Lula: o enfrentamento à violência contra meninas e mulheres deve ser foco de políticas públicas*

O desafio para o novo governo que se inicia em 1º de janeiro de 2023, além da própria gestão dos recursos financeiros, é de se pautar a violência e de enfrentá-la com as suas devidas dimensões

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Amanda Lagreca

Mestranda em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Thais Carvalho

Graduanda em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e estagiária no Fórum Brasileiro de Segurança Pública

2022 foi o ano em que muitas das atividades cotidianas foram retomadas, com a convivência com uma pandemia muito mais controlada, após um longo período de distanciamento social. Durante os anos de 2020 e de 2021, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou uma série de documentos  evidenciando a urgência de se discutir violência contra meninas e mulheres, em um período crítico, em que mulheres vivenciavam uma dupla pandemia. De forma a dimensionar o ano de 2022, aproveitando o dia 25 de novembro, publicamos um balanço do que foi a violência letal e sexual durante o primeiro semestre de 2022 e realizamos uma comparação com o mesmo período de anos anteriores, de forma a dar um melhor panorama do que estamos vivenciando enquanto sociedade.

O dia 25 de novembro é conhecido como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres; a data dá início aos 16 dias de Ativismo pela Eliminação da Violência – a comemoração termina no dia 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos. Os 16 dias de ativismo são uma brecha para refletirmos sobre a situação da violência que meninas e mulheres vivenciam diariamente, e, com o início de um novo governo, também é uma janela de oportunidade para uma agenda de políticas públicas preventivas e de ampliação ao acesso à rede de proteção para as vítimas – sejam elas direta ou indiretamente afetadas.

O crime de feminicídio foi incluído no Código Penal em 2015. A inserção da qualificadora nos casos de homicídios dolosos femininos se dá quando o mesmo foi decorrente de violência doméstica e familiar em razão da condição de sexo feminino, em razão de menosprezo à condição feminina ou em razão de discriminação à condição feminina (Bianchini, Bazzo e Chakian, 2022).  Nos primeiros seis meses de 2022, foram 699 mulheres vítimas de feminicídio. Por dia, uma média de 4 mulheres vítimas da violência letal, pelo simples fato de serem mulheres.

Vemos um incremento dessa violência nos últimos 4 anos – crescimento de 10,8% nos números absolutos no primeiro semestre entre 2019 e 2022. Quando analisamos esses dados por região, há uma disparidade relevante, e as políticas públicas devem ser focalizadas, de forma a dar conta da dimensão do problema e das especificidades locais. No período total, a única região em que se verificou uma queda foi a Sul, de –1,7%. Houve crescimento de 75% no Norte, 29,9% no Centro-Oeste, 8,6% na Sudeste e 1% no Nordeste. No período mais recente de comparação (1°s semestres de 2021 e 2022), a queda se deu no Sudeste (-2,2%); as outras regiões apresentaram crescimento (Sul: 12,6%; Norte: 9,4%; Centro-Oeste: 6,1%; Nordeste: 1,5%).

 As mulheres estão morrendo, e estão morrendo cada vez mais. Essa escalada se dá em meio à diminuição dos gastos do Governo Federal para programas de enfrentamento à violência contra as mulheres; o ano de 2022, segundo nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), foi o período em que houve a menor alocação orçamentária dos últimos quatro anos.

O desafio para o novo governo que se inicia em 1º de janeiro de 2023, além da própria gestão dos recursos financeiros, é de se pautar a violência e de enfrentá-la com as suas devidas dimensões. O feminicídio é um crime que acontece, em sua grande maioria, dentro de casa, por agressores das vítimas – 65,6% das vítimas de feminicídio no ano de 2021 foram mortas em suas residências e 81,7% das mulheres foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro íntimo.  Nesse sentido, as políticas públicas devem dar conta dessa violência principalmente enquanto fenômeno intrafamiliar, levando a discussão de seu enfrentamento no espaço público, considerando que a maioria dos crimes ocorre no espaço privado, nas casas das vítimas – o Estado deve cumprir o papel de garantia da vida digna dessas mulheres.

Em se tratando da violência sexual, tivemos um decréscimo de 1% no período entre 2019 e 2022. Por ser um crime em que é necessária a presença da vítima nas delegacias para a realização do exame de corpo delito, a influência da pandemia nessa queda se mostra ainda mais presente do que nos demais crimes em que pode ser realizada a denúncia através da delegacia virtual – modalidade implementada por boa parte das Polícias Civis estaduais no ano de 2020. Entre 2021 e 2022, verificamos um crescimento de 12,5% nas denúncias de estupro e estupro de vulnerável – o aumento mostra que os números voltaram a padrões similares ao ano de 2019.

Com exceção do Sul, que registrou uma queda de –1,0%, todas as outras regiões apresentaram crescimento no período mais recente (2021 e 2022): 13,9% no Norte, 5% no Nordeste, 4,5% no Sudeste e 3,6% no Centro-Oeste.

Em números absolutos, estamos falando de mais de 29 mil meninas e mulheres estupradas no primeiro semestre de 2022 – um estupro a cada 9 minutos! A subnotificação é ponto de atenção aqui – ao que tudo indica, as estatísticas retratam apenas uma parcela da realidade. O último relatório de Vitimização Criminal publicado pelo Departamento de Justiça dos EUA referente ao ano de 2021 coloca que o percentual de crimes sexuais reportados às autoridades foi de apenas 21,5% – não há pesquisas de vitimização no Brasil que consigam aferir a subnotificação dos crimes sexuais aqui.

Os dados aqui expostos indicam que o tema da violência contra meninas e mulheres merece especial atenção do novo governo que se inicia. O diagnóstico feito demonstra que o Estado não está conseguindo garantir direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 – são necessárias políticas públicas e a destinação de recursos, financeiros e humanos, para que possamos conviver em uma sociedade em que as mulheres tenham seus direitos garantidos e que, fundamentalmente, continuem vivas.

 

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