Perícia em evidência

O caso Moïse Kabagambe, a perícia de uma barbárie

Resta esperar que a Justiça siga na direção de responder à família da vítima e a uma comunidade composta por imigrantes, além de toda nossa sociedade, se esse ato de barbárie será devidamente combatido mediante uma justa e reparadora resposta

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O cenário: uma paisagem em uma das praias mais badaladas da orla carioca, a Barra da Tijuca, na Cidade Maravilhosa. O evento: um linchamento, agressão covarde e desmedida praticada por três indivíduos e que culminou com a morte de um imigrante congolês de 24 anos que estava no Brasil desde 2014. A data, 24 de janeiro de 2022, uma segunda-feira, por volta das 22h30. Mais que um imigrante, Moïse era um refugiado da guerra e da fome, um entre milhares que escolheram o Brasil como sua nova morada por acreditar na nossa vocação acolhedora e em nossa natureza pacífica, afinal somos um povo sempre lembrado pelo futebol e carnaval. Mas é preciso também não esquecer: Moïse era negro.

A motivação da morte, como as matérias divulgadas pela mídia, teriam sido duas diárias cobradas por Moïse junto ao empregador responsável por um dos quiosques da praia. O desentendimento resultou em diversas ações que foram gravadas por uma câmera de segurança e amplamente divulgadas. Eis aqui a primeira prova concreta e elemento de análise pericial: o vídeo. Nas imagens é possível perceber e detalhar toda a dinâmica do fato, com a individualização das ações de cada um dos três envolvidos na agressão e morte do congolês. A perícia nas imagens será capaz de traduzir,  num laudo pericial, através de uma degravação e descrição, cada um dos elementos desse evento. A participação individual e coletiva dos envolvidos poderá ser assim totalmente destrinchada. Outra questão crucial será definir se foram apenas os três suspeitos (já detidos) responsáveis pela morte de Moïse, uma vez que algumas testemunhas teriam levantado a possibilidade do envolvimento de até cinco homens durante a sequência do ocorrido.

Informações obtidas indicam ainda que, após uma tentativa de reanimação feita pelo SAMU, a vítima foi periciada no local de sua morte por volta de 1h10, já na madrugada do dia 25. Haverá, portanto, um Laudo de Exame de Local de Morte Violenta, que poderá também constituir-se em importante prova técnica no processo, incluindo, dentre outros elementos possíveis, um croqui do local, as lesões identificadas no corpo da vítima e a descrição de algum dos instrumentos empregados na prática do crime (segmentos de madeira, fios, dentre outros).

Em relação a um dos instrumentos empregados, um taco de madeira, ele teria sido localizado e apreendido algum tempo depois de encerrada a perícia de local, tendo sido encontrado escondido em meio a uma vegetação próxima do quiosque onde os fatos ocorreram. O exame desse objeto certamente será realizado em laboratório, gerando um laudo em separado, no qual o objeto será descrito, medido, pesado, além de se buscar, em sua superfície, qualquer vestígio de sangue ou outro material biológico, que, sendo encontrado, poderá ainda ser empregado para estabelecer, via outro exame, desta vez de DNA, se o material biológico pertence a Moïse. Outra possibilidade é buscar material genético daquele que tiver tocado ou manipulado o objeto, em comparação ao DNA de um dos agressores já identificados.

O Laudo Cadavérico, emitido pelo Instituto Médico Legal (IML), já foi divulgado e indicou que a causa da morte foi traumatismo do tórax, com contusão pulmonar, causada por ação contundente, compatível com os instrumentos observados no vídeo, segmentos de madeira que serviram para espancar a vítima quando ela estava caída no piso e com seu tórax voltado para cima. O documento médico-legal diz ainda que os pulmões de Moïse apresentavam áreas hemorrágicas de contusão e também vestígios de broncoaspiração de sangue.

Considerando as informações até aqui divulgadas, esse parece ser o cenário de contribuição das provas periciais para o Caso Moïse. A dinâmica do evento, a participação de cada um dos envolvidos e os detalhes que esclarecem a morte do congolês estarão no rol das provas técnicas. Só resta agora esperar que a Justiça siga na direção de responder à família da vítima, bem como a uma comunidade composta por imigrantes, além de toda nossa sociedade, se esse ato de barbárie será devidamente combatido mediante uma justa e reparadora resposta.

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