Segurança Pública na Amazônia 15/05/2024

“Nunca mais vai ser como era”: o momento atual da garimpagem na Terra Indígena Yanomami

Com o aprofundamento do vínculo forçado entre indígenas e garimpeiros no último período, a população yanomami foi obrigada a estabelecer relações de troca com os invasores para receber alimentos e sobreviver em meio à insegurança alimentar

Compartilhe

Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Instituto Mãe Crioula

Em 21 de setembro de 2023, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) apresentou informações, nos autos da ADPF 709, sobre gargalos nas ações do governo federal na Terra Indígena Yanomami (TIY), além de denúncias de morosidade, ineficiência e inação dos militares no âmbito das operações de ajuda humanitária no território. Na peça jurídica, a APIB questiona o dado já citado de que os alertas de garimpo teriam zerado em junho de 2023, uma vez que o mês é o pico da estação de chuvas na TIY, de modo que as nuvens podem dificultar a visualização do terreno pelas imagens de satélite. Além disso, afirmam que garimpos desativados durante as operações já estão retornando à ativa, como no Rio Couto Magalhães. Em outros locais, como Apiaú, sequer houve operação desde que declarada a situação de Emergência, segundo a APIB.

O diagnóstico apresentado acompanha a percepção compartilhada por alguns interlocutores contatados de que o garimpo ainda está ativo na TIY, apesar do revés sofrido nos últimos meses. Principalmente a partir do segundo semestre de 2023, as operações diminuíram e, logo a partir de agosto, houve novo aumento dos alertas de satélite e da presença de garimpeiros. Recentemente, episódio de violência de garimpeiros instalados na região do Surucucu, dentro da TIY, escancarou a situação de perigo que ainda vive a população indígena. Na situação, crianças indígenas foram amarradas a troncos e ameaçadas por garimpeiros, após serem acusadas de furtarem celulares utilizados pelos invasores.

No relatório yamaki ni ohotai xoa! (Nós ainda estamos sofrendo): um balanço dos primeiros meses da emergência Yanomami, destaca-se a carência de profissionais de saúde e o baixo investimento em infraestruturas nas UBSIs, bem como a alegação por parte dos agentes de saúde de falta de segurança para que possam acessar as comunidades. São fatores que implicam a dificuldade de combate aos casos de malária, por exemplo, que atingiram o ponto mais alto dos últimos 18 meses no primeiro trimestre de 2023, segundo informações apresentadas pela ABIP, em manifestação na ADPF 709. Mesmo a produção de estatísticas precisas sobre a real situação da população yanomami está seriamente comprometida, uma vez que, com a destruição das BAPEs, há dificuldades em contabilizar os casos de malária e de insegurança alimentar.

O que se percebe, portanto, é que, após quase dez anos de expansão do garimpo dentro da TIY, é improvável que a situação se resolva em um curto espaço de tempo. O que alguns interlocutores ponderam é que, com o aprofundamento desse vínculo forçado entre indígenas e garimpeiros no último período, a população yanomami foi obrigada a estabelecer relações de troca com os invasores para receber alimentos e sobreviver em meio à insegurança alimentar. Diante disso, com a saída da maior parte dos garimpeiros, é preciso que o Estado ocupe a função assistencial que lhe é devida, sob pena de deixar a situação dos indígenas ainda pior, em total desassistência. Conforme resumiu um interlocutor, a TIY “nunca mais vai ser como antes” (integrante de instituição da sociedade civil).

O plano de ação entregue ao STF em resposta à decisão do ministro Luís Roberto Barroso no percurso da ADPF 709 é composto por quatro etapas, e os esforços até agora empreendidos estão concentrados apenas na primeira delas, ou seja, na desintrusão total dos garimpeiros de dentro da TIY. Há que se considerar, além disso, que os órgãos ambientais apontam o deslocamento de grupos garimpeiros que foram expulsos do local em direção a países vizinhos, como Venezuela, Suriname e Guiana, além de um deslocamento interno no país, com aumento de alertas, por exemplo, na região da bacia do Rio Tapajós e na TI Sararé, no Mato Grosso. No local, já foram inutilizadas 88 máquinas desde o começo do ano, sendo que cada uma custa em média R$ 1 milhão, e continuam os relatos de que as máquinas são repostas com muita facilidade após a destruição.

* *O texto original foi publicado em A nova corrida do ouro na Amazônia: garimpo ilegal e violência na floresta e pode ser lido na íntegra neste link: <https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/5fd55da7-e834-4a38-810e-1bbe9a651c8e>

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES