Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022

Na contramão da recuperação econômica: segurança privada volta a perder postos de trabalho em 2021

Diretamente ligada a uma economia forte e não à alta dos índices de criminalidade, a atividade voltou a ter queda no número de empregos, confirmando um cenário extremamente negativo dos últimos anos

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Jeferson Furlan Nazário *

Presidente da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (FENAVIST)

O ano de 2021 foi o segundo sob o efeito direto da pandemia de Covid-19. Em meio, infelizmente, a um número elevado de casos e mortes no primeiro semestre, a vacinação em massa permitiu que a economia começasse a ser retomada de maneira mais forte nos últimos meses do ano passado.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram um crescimento de 4,6% da economia brasileira em 2021. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) foi muito comemorado pelo governo federal. A criação de 2.730.597 empregos formais no ano passado, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Previdência, também reforçou a tese da retomada em “v” repetida à exaustão pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes.

Mas não apenas de dados positivos o ano de 2021 foi feito. A inflação ao final dos 12 meses foi de 10,06%. O Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), que é medido pelo IBGE, foi mais que o dobro do centro da meta prevista pelo governo. Com a alta nos preços, o Banco Central se viu obrigado a agir e iniciou uma série de altas consecutivas na taxa básica de juros, a Selic. Em janeiro de 2021, a taxa estava em 2%, menor patamar da história. Ao final do ano passado, a Selic já era de 9,25%. Atualmente, a taxa básica de juros já passa dos 13%.

Ter esse contexto em mente é fundamental para compreender o que tem ocorrido com a segurança privada brasileira. Diretamente ligada a uma economia forte e não à alta dos índices de criminalidade, a atividade voltou a ter queda no número de empregos, confirmando um cenário extremamente negativo dos últimos anos. Veja a contradição: o País criou quase 3 milhões de postos com carteira assinada em 2021, sendo o setor de serviços, no qual a segurança privada se insere, o principal responsável pela alta com um saldo positivo de 1.226.026 vagas, segundo dados do Caged.

Para se ter uma ideia, em março do ano passado, eram 526.108 vigilantes empregados nas empresas especializadas de segurança privada e nas empresas orgânicas (aquelas que não têm como atividade fim a segurança privada, mas optam por realizarem o próprio serviço de segurança ao cumprir todas as regras estabelecidas pela Polícia Federal). No mesmo mês este ano, o número chegou a 495.989, uma perda de 30.119 postos de trabalho (- 5,72%).

Outro dado que mostra claramente o impacto da inflação (perda do poder de compra) no segmento é o número de vigilantes aptos a trabalhar. Em 2021, 966.574 pessoas estavam com o curso de formação em dia e podiam exercer a função legalmente. Ou seja, você tinha quase o mesmo quantitativo de vigilantes na ativa e de profissionais à espera de uma vaga.

Em maio deste ano, de acordo com dados da Associação Brasileira de Cursos e Aperfeiçoamento de Vigilantes (ABCFAV), o número de pessoas aptas a exercer a função de vigilante era de 787.814, uma redução de quase 180 mil. Com o orçamento cada vez mais enxuto e sem perspectiva de ingressar no mercado, com base no que vem acontecendo nos últimos anos, muitos trabalhadores optaram por não investir no curso de formação e/ou reciclagem e, por consequência, não se manter aptos a exercer a profissão. Atualmente, 2.320.522 vigilantes estão com o curso vencido.

O faturamento das empresas – que inclui não apenas lucro, mas também todas as despesas e custos operacionais –, tem se mantido estável. Dados do IBGE, analisados pela consultoria econômica da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist), mostram que o faturamento ficou na casa dos R$ 36,3 bilhões, bem próximo ao que tem sido registrado com os dados do IBGE desde 2018, sendo que a inflação no período foi de mais de 20%.

Para 2022, o cenário para o segmento de segurança privada se vislumbra como incerto. Além dos impactos da pandemia, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia também passou a exercer forte pressão negativa sobre a economia brasileira. Como dito anteriormente, o crescimento da atividade está relacionado diretamente a uma economia forte e em crescimento, como ocorre no mundo inteiro. Grandes países, com índices de criminalidade bem abaixo que os brasileiros, possuem mercados com números e tamanho bem superiores aos do Brasil.

Como um disco arranhado ou instrumento de uma única nota, o caminho para a guinada e a retomada do crescimento da atividade continua sendo o mesmo apresentado desde a primeira participação da Fenavist no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ainda em 2020.

O Estatuto da Segurança Privada tramita no Congresso Nacional desde 2010. O texto já aprovado pela Câmara dos Deputados aguarda a votação final pelo Senado desde o final de 2016. A mudança na legislação é fundamental.

A modificação da Lei 7.102/1983, que rege a segurança privada há quase 40 anos, é tão urgente que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota técnica que defende a rapidez na aprovação do Estatuto da Segurança Privada (Substitutivo da Câmara nº 6/2016 ao Projeto de Lei do Senado nº 135/2010). Segundo o texto, “celeridade na apreciação desse projeto de lei representa medida oportuna e de extrema relevância para o adequado controle e fiscalização do segmento da segurança privada, armada ou desarmada, regular ou irregular, e, por conseguinte, para a eliminação de todas as formas de discriminação, com a promoção do respeito aos direitos humanos no exercício da atividade”.

Ao elencar as melhorias que o Estatuto trará à segurança privada e à sociedade, a nota técnica também destaca a criação de empregos formais. “Estima-se que, para cada profissional regular na segurança privada, existem dois irregulares. Logo, a aprovação do estatuto permitirá a legalização da atividade desses profissionais.” A segurança jurídica é outro benefício citado.

O CNJ explica que a fiscalização por parte da Polícia Federal também é limitada, “em razão da fragilidade do regramento jurídico atual no que se refere à repreensão e à imposição de sanções adequadas às empresas que funcionam sem a devida autorização. O novo estatuto, porém, garantirá o combate mais efetivo e rigoroso às empresas clandestinas e irregulares, com a criminalização daquelas que funcionem sem a devida autorização e a imposição de penalidades”.

A nota técnica lembra ainda que o Estatuto da Segurança Privada estabelece novas funções. Isso permitirá que a atividade exerça um serviço ainda mais bem qualificado. Outro ponto elencado diz respeito à discriminação. “Preceitua, outrossim, que os profissionais de segurança privada têm, como dever, o respeito à dignidade e à diversidade da pessoa humana; o exercício da atividade com probidade, desenvoltura e urbanidade; a comunicação obrigatória ao seu chefe imediato sobre quaisquer incidentes ocorridos durante o serviço, assim como quaisquer irregularidades ou deficiências do equipamento ou material que utiliza, além de outras obrigações que se destinam a garantir mais segurança a pessoas e clientes dos estabelecimentos salvaguardados pela segurança privada.”

O documento também destaca que “está igualmente prevista a inserção do segmento da segurança eletrônica no setor de segurança privada, ainda hoje sem regulamentação e fiscalização”, e que institui novas penas para quem atua de forma ilegal.

“A prática da atividade clandestina, sem a devida autorização de funcionamento pela Polícia Federal, passará a configurar crime e estará sujeita a penas rigorosas, como a de um a três anos de prisão e multa. Também estão previstos o fechamento imediato da empresa; a apreensão, pela Polícia Federal, de todo o material utilizado na prestação de serviços ilegais; o aumento da pena para crimes de roubo, furto e dano a carros-fortes das empresas de segurança privada especializadas em transporte de valores, assim como nos casos de crimes cometidos contra os vigilantes privados”, explica o texto.

Além da sugestão de que o Estatuto seja votado com celeridade, o CNJ determinou o encaminhamento da nota técnica aos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, ao ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, ao ministro da Justiça e da Segurança Pública e à Procuradoria-Geral da República.

 * Texto em versão condensada. Para obter a versão originalmente publicada no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, acesse: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/sites/2/2022/07/18-anuario-2022-a-seguranca-privada-nao-controlada.pdf

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