Mortes de adolescentes por intervenção policial caem 66,7% no estado de São Paulo após implementação das câmeras operacionais portáteis
Estudo do UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica redução da letalidade pelas forças policiais. Apesar da queda, 273 adolescentes e jovens paulistas, entre 15 e 19 anos, foram mortos por intervenções policiais nos últimos quatro anos
No estado de São Paulo, as mortes de adolescentes de 15 a 19 anos em decorrência de intervenções policiais, entre 2019 e 2022, apresentaram queda de 66,7%. Entre todas as faixas etárias a redução foi de 61,8%. Apesar da redução, em números absolutos, 273 adolescentes e jovens paulistas, entre 15 e 19 anos, foram mortos por intervenções policiais nos últimos quatro anos. O período analisado coincide com a adoção das câmeras operacionais portáteis (COP) pela polícia militar, que começou em 2020, de acordo com o estudo “As câmeras corporais na Polícia Militar do Estado de São Paulo: processo de implementação e impacto nas mortes de adolescentes”, lançado nesta terça-feira, 16 de maio, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O levantamento analisou as principais políticas de controle do uso da força desenvolvidas no estado de São Paulo e que contribuíram para a redução da letalidade policial entre 2020 e 2022. O estudo mostra que os batalhões que adotaram as câmeras operacionais portáteis (COP), como parte do Programa Olho Vivo, tiveram redução de 76% da letalidade policial em serviço entre 2019 e 2022. Nos demais batalhões a queda foi de 33%.
Para a faixa etária de 15 a 19 anos, além da redução das mortes, em 2020, pela primeira vez, essa população deixou de ser a que mais morre por intervenção policial no estado de São Paulo. Historicamente, adolescentes sempre foram os mais impactados por esse tipo de violência letal.
“Pelos indicadores analisados, é possível afirmar que o estado de São Paulo vem avançando no enfrentamento da violência letal, incluindo as violências contra crianças e adolescentes. A redução alcançada nos últimos quatro anos mostra que é possível proteger a vida de meninos e meninas, reforçando a urgência de medidas para que mais nenhuma dessas mortes ocorra, nem em São Paulo nem em nenhum outro lugar do Brasil. A continuidade e escalabilidade de políticas que se mostram efetivas são essenciais para que os indicadores sigam melhorando”, afirma Adriana Alvarenga, chefe do escritório do UNICEF em São Paulo.
A partir de 2020, uma série de medidas adotadas pela Polícia Militar do estado de São Paulo (PMSP) reduziu a letalidade provocada pelos policiais militares no horário de serviço, dentre as quais se destacam o Programa Olho Vivo, com a adoção de câmeras operacionais portáteis (COP) em 62 batalhões de policiamento ao longo de dois anos. Para qualificar as políticas das COP, o estudo analisa em detalhes a implementação da política em São Paulo, registrando os muitos elementos dela com base em entrevistas com policiais, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública no estado. Além do uso das câmeras, são apontadas várias outras medidas adotadas simultaneamente que também impactam o uso da força, como a implantação da Comissão de Mitigação de Risco, o uso ampliado das armas de incapacitação neuromuscular, estabelecimento de mais constrições sobre a gerência intermediária da PMESP para a redução do uso da força e a recriação da Comissão de Letalidade. A implementação das COP no estado de São Paulo também coincide com o período da pandemia de Covid-19, que pode ter impactado a atuação da polícia de outras formas.
“O estudo mostra que a implementação das câmeras corporais foi uma iniciativa importante para reduzir a letalidade provocada pela PM, bem como para proteção do policial que atua na ponta. É necessário destacar, no entanto, que a tecnologia não é uma panaceia para reduzir a violência policial, e que outras medidas focadas no controle do uso da força e fortalecimento da governança foram fundamentais para os resultados alcançados”, afirma a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno.
Mortes de pessoas negras caem, mas ainda são a maioria
Em geral, o perfil das mortes em decorrência de intervenção policial em São Paulo não difere do retrato nacional das vítimas. Como apontado por edições anteriores do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022; 2021), a maior parte das vítimas é jovem, do sexo masculino e negra. O mesmo padrão persiste quando analisamos as mortes de adolescentes e jovens.
Levando em consideração o perfil étnico e racial de todas as faixas etárias, após a adoção das câmeras operacionais portáteis, de 2019 a 2022, a redução de mortes de pessoas negras por intervenção policial em São Paulo foi de 64,3%. Ainda assim, no período, 3 em cada 5 vítimas eram negras.
Recomendações
Embora a redução da letalidade policial seja multifatorial e, portanto, não possa ser atribuída somente ao programa Olho Vivo, a queda expressiva no número de mortes decorrentes de intervenção policial em São Paulo desde a adoção das câmeras operacionais portáteis representa uma oportunidade para o estado investir em um padrão de profissionalização da polícia que mude estruturalmente a escala da violência policial, protegendo adolescentes e jovens, e toda a população. Para isso, é preciso:
- Que os agentes das forças de segurança tenham repertório e instrumentos adaptados para lidar com adolescentes, levando em consideração o que os faz interagir com eles de forma diferente.
- Que as polícias estejam mais integradas e atuando de forma intersetorial com outros atores do sistema de proteção contra as violências, inclusive serviços de educação, saúde, assistência social, e com as organizações da sociedade civil.
- Fortalecer capacidades de atuação policial para identificação e responsabilização de autores de violência, já que a impunidade aprofunda e amplia o luto de familiares e amigos, aumenta a sensação de insegurança da população e multiplica os danos às comunidades impactadas pela violência, deixando-as mais vulneráveis a ciclos de agressão, coerção e retribuição.
- Adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, pois a violência policial continua afetando desproporcionalmente especialmente adolescentes e jovens negros; as instituições policiais e do sistema de justiça precisam adotar medidas estruturais para enfrentar o racismo.
- Que o programa Olho Vivo avance, ou seja, que os batalhões ainda sem câmeras passem a adotá-las e que protocolos e regulamentação específica sobre o acesso às imagens por atores externos à Secretaria de Segurança Pública, como Ministério Público e Defensoria Pública, e por familiares das vítimas.
- Que esforços para investigar e entender os fatores e políticas que impactam na redução da letalidade policial sejam uma prioridade, pois, assim, relações de causa e consequência poderão ser compreendidas de maneira mais aprofundada, possibilitando a criação de políticas públicas cada vez mais robustas para o tema.