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Modus operandi dos crimes de estupro em Maceió

Estupros são crimes complexos, que envolvem uma sorte de relações e fatores intervenientes que devem ser estudados

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Fillipi Lúcio Nascimento

Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre em Sociologia e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Pesquisador do Laboratório de Estudos de Segurança Pública (LESP/UFAL)

É de se lamentar que os casos de violência sexual tenham se tornado cada vez mais recorrentes no Brasil. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2018 foram registrados em todo o país 66 mil casos de estupro, um aumento de 4,6% em relação ao número de ocorrências registradas em 2017. Entre os anos de 2012 e 2016, cerca de 175 mil casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes foram relatados por meio do Disque 100, serviço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Especialistas reconhecem a subnotificação desse tipo de ocorrência e apontam para um número 10 vezes maior de casos. Durante a pandemia de COVID-19 os casos de violência sexual no Brasil apresentaram um aumento não depreciável.

Na esfera jurídica, avanços significativos podem ser observados, sobretudo a partir das “recentes” atualizações do Código Penal brasileiro (CP). A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, ampliou o conceito de estupro, incluindo no rol da prática crimes antes enquadrados como atentados violentos ao pudor. O crime de estupro passou a possuir pena de 6 a 10 anos de prisão. Para os casos que envolvem vítimas com idade entre 14 e 17 anos, a lei passou a prever pena de 8 a 12 anos de reclusão. Nas situações configuradas como “estupro de vulnerável”, isto é, casos cujas vítimas são menores de 14 anos ou pessoas com algum tipo de enfermidade ou deficiência mental, incapazes de discernir sobre a prática do ato, ou ainda, pessoas que, por qualquer causa, não possam oferecer resistência (pessoas em estado vegetativo ou em coma, por exemplo), tal como previsto no art. 217-A da lei supracitada, a pena se elevou para 8 a 15 anos de reclusão.

A Lei nº 13.718, de 25 de setembro de 2018, trouxe seis importantes mudanças no CP relacionadas aos crimes contra a dignidade sexual, a saber: I) a inserção do crime de importunação sexual; II) a inserção do crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia; III) a alteração no crime de estupro de vulnerável (revisão do art. 217-A do CP); IV) nova causa de aumento de pena para os estupros coletivo e corretivo (revisão do art. 226 do CP); V) novas causas de aumento de pena para os crimes contra a dignidade sexual (revisão do art. 234-A do CP); e VI) o embasamento para ações penais nos crimes contra a dignidade sexual (nova redação do art. 225 do CP). A proposição e a consequente aprovação da Lei nº 13.718/2018 esteve associada à grande repercussão na mídia de casos de homens que se masturbavam e ejaculavam em mulheres em ônibus.

A produção acadêmica em torno dos crimes sexuais aumentou consideravelmente ao longo dos últimos 20 anos no país. Mas em que pese o número crescente de trabalhos sobre a referida temática, ainda são escassos os estudos que se dedicam a analisar os padrões de atuação de criminosos sexuais e o perfil dos autores e das vítimas de crimes sexuais. Essa escassez deve-se, fundamentalmente, à dificuldade de se obter dados consistentes e confiáveis sobre os casos em questão. Um estudo inédito do departamento de sociologia da Universidade Federal de Alagoas se propôs a identificar e descrever as principais tendências inscritas na dinâmica espaço-temporal intraurbana e no modus operandi dos crimes de estupro ocorridos na cidade de Maceió com base em registros de casos notificados entre os anos de 2015 e 2017.

Sete tendências foram identificadas no caso maceioense, a saber: I) os estupros ocorrem com maior frequências nos meses de fevereiro, em todos os dias da semana, preponderantemente no período da tarde; II) o meio utilizado pelos autores do crime para coagir a vítima é a força física; III) o autor do crime tende a ser do sexo masculino, a atuar sozinho, a se deslocar com um automóvel e a não possuir vínculos com a vítima (é, portanto, um desconhecido) (Vide Tabela 1); IV) os bairros de Jacintinho, Benedito Bentes e Cidade Universitária apresentam os maiores números de ocorrências (vide Figura 1); V) nesses bairros, as localidades que apresentam maior concentração de ocorrências dispõem de características infraestruturais que favorecem a ocorrência do delito (baixo grau de vigilância natural, iluminação precária, pouca territorialidade), sugerindo dependência espacial; VI) a extensão dos trajetos percorridos pelos agressores tende a ser de curta distância; e VII) a mobilidade de longa distância é verificada com maior recorrência nos casos em que os autores do crime são mais jovens ou possuem vínculo familiar direto (vínculo por consanguinidade) com a vítima.

Tabela 1

 

Os padrões identificados na pesquisa não encerram as análises em torno do modus operandi de criminosos sexuais. Estupros são crimes complexos, que envolvem uma sorte de relações e fatores intervenientes. Estudos futuros podem e devem conciliar métodos qualitativos à metodologia e às análises desenvolvidas nessa pesquisa para contribuir, de forma ainda mais aprimorada, com o entendimento e com o debate dos elementos que contextualizam a ocorrência desses crimes e as motivações de seus autores.

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