Modus operandi da bancada no Congresso Nacional e os impactos nas políticas de segurança pública
Debates sobre a área tendem a ficar agrilhoados ao campo policialesco, que, em muitas vezes, possui estruturas interpretativas próprias. Como efeito, assuntos como descriminalização das drogas, desarmamento civil e reformas das corporações, embora possam causar impacto para além do campo policial, são usualmente monopolizados pelas alocuções dos parlamentares da bancada da bala
Alexandre Pereira da Rocha
Doutor em Ciências Sociais (UnB); associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)
As polícias brasileiras e parcela de seus membros são politizados, inclusive com significativas intervenções no panorama político. Uma das provas disso tem sido a formação de bancadas com a temática segurança no âmbito dos legislativos federal, estadual e municipal, na maioria das vezes constituídas por policiais eleitos como parlamentares. Nesse sentido, destaca-se a bancada da bala no Congresso Nacional, a qual tem adquirido volume e impactado nos rumos das políticas de segurança pública. Aqui o problema não é necessariamente a existência dessa bancada, mas as pautas que ela habitualmente propõe e defende, e que nem sempre contribuem para uma segurança pública mais democrática, cidadã e plural.
As bancadas temáticas são composições informais, pois não possuem estruturas como frentes parlamentares e blocos partidários. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), comumente elas surgem com parlamentares que partilham o mesmo campo profissional[i]. Além disso, há também aqueles que possuem interesse numa área, mesmo que alheios aos quadros profissionais dela. De todo modo, o DIAP observa que as “bancadas informais se constituem em grupos de pressão no interior do Parlamento e com razoável grau de influência. Em linhas gerais, o papel delas é mais de promover uma causa e buscar sensibilizar os partidos para suas pautas, do que propriamente determinar como devem votar seus integrantes”. Em termos de bancadas mais conhecidas, cita-se: ruralista, empresarial, evangélica, sindical. Ademais, a bancada da bala aqui analisada.
Dados levantados pelo DIAP indicam que, no contexto do Congresso Nacional, desde a legislatura de 1991-1995, a bancada da bala passou de 4 parlamentares para, pelo menos, 66 membros na legislatura de 2023-2027. Especificamente, o Instituto Sou da Paz apurou que nas eleições de 2022 foram eleitos 44 deputados federais e 2 senadores oriundos de corporações[ii]. Ora, se a bancada da bala fosse um partido, considerando o último levantamento do Sou da Paz, ela figuraria como umas das maiores legendas da Câmara Federal. Ressalta-se que, mesmo informalmente, essa bancada ostenta contingente significativo de membros que compartilham ideais convergentes. Em regra, eles defendem: redução da idade penal; fim das penas alternativas; flexibilização do Estatuto do Desarmamento e do Estatuto da Criança e do Adolescente; imunidades às forças policiais.
Entre os parlamentares da bancada da bala originários das corporações há policiais civis, federais e militares; ainda ocupantes de vários cargos, como agentes, delegados, oficiais, praças. Também se interessam na temática integrantes das Forças Armadas, além de atores devotos às pautas de recrudescimento penal. É curioso. No caso dos parlamentares provenientes de corporações, é comum eles adotarem nomes políticos com referências aos cargos que ocupavam. Daí, por exemplo, na atual legislatura constam treze, sete e três deputados federais com nomes vinculados aos cargos de delegado, coronel e capitão, respectivamente. Nota-se que, boa parte desses representantes ligados às corporações costuma se identificar essencialmente como policial, o que tende a influir em suas atividades parlamentares.
Designadamente na Câmara dos Deputados os membros da bancada da bala buscam dominar a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO). Destaca-se que, atualmente, a presidência desse órgão é ocupada exclusivamente por parlamentares originários de polícias. Ademais, 69% dos integrantes permanentes dessa comissão possuem no currículo insígnias policiais, entre os quais muitos professam os espectros do radicalismo de direita e do conservadorismo. Note-se, à CSPCCO compete discutir assuntos, como: prevenção, fiscalização e combate ao uso de drogas e ao tráfico ilícito de entorpecentes; controle e comercialização de armas; sistema penitenciário; políticas de segurança pública e seus órgãos institucionais. Ora, diante do predomínio de deputados da bancada da bala nessa comissão é provável que os assuntos de sua competência sejam tratados prioritariamente sob a mira policial. Desse modo, é difícil acontecerem discussões diversificadas sobre a segurança de pública.
Em linhas gerais, o modus operandi da bancada da bala é entrelaçar a política de segurança à atividade policial. Resultado: tudo o que tem a ver com segurança pública é visto como se fosse reserva da polícia, e vice-versa. Ademais, é corriqueiro parlamentares da citada bancada assumirem postura corporativa, logo defendendo fundamentalmente crenças, interesses e valores da categoria policial. À vista disso, no âmbito do Congresso Nacional, os debates sobre políticas de segurança pública tendem a ficar agrilhoados ao campo policialesco, que, em muitas vezes, possui estruturas interpretativas próprias. Como efeito, assuntos como descriminalização das drogas, desarmamento civil e reformas das corporações, embora possam causar impacto para além do campo policial, são usualmente monopolizados pelas alocuções dos parlamentares da bancada da bala.
A bancada da bala no Congresso Nacional possui existência consistente ao longo de várias legislaturas, apesar da informalidade. Os participantes dela mudam conforme os processos eleitorais, mas tem permanecido a mentalidade de restringir as políticas de segurança pública à atividade policial; tal como de agenciar o punitivismo penal como resposta aos dilemas de violência. Em regra, os parlamentares da bala encaram isso como uma missão em defesa da lei e da ordem, sobremodo aqueles originários das forças. Nesse cenário, questões de segurança pública que demandam apreciação no Congresso Nacional são tratadas como se fossem casos de polícia e, pior, com restritas possibilidades de contraditório e ampla defesa por segmentos diversos da sociedade civil.