Múltiplas Vozes 17/11/2022

MINISTÉRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA É IMPRESCINDÍVEL

O governo federal tem a responsabilidade prevista em lei de elaborar e implementar política pública de âmbito nacional de controle da criminalidade, articulando esforços de estados e municípios

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Luis Flavio Sapori

Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública

Consolidada a vitória de Lula, os trabalhos se concentram agora no Gabinete de Transição Governamental. O momento envolve o conhecimento mais detalhado da situação do governo federal em todas as áreas de atuação.  Gabinetes de transição não têm caráter deliberativo, limitando-se a diagnósticos e apontamentos das primeiras medidas a serem tomadas pelo governo eleito. Sob tal perspectiva, as equipes técnicas constituídas sob a coordenação do vice-presidente Geraldo Alckimin atendem às expectativas no sentido de elaborarem relatórios consistentes de 31 temas estabelecidos. Isso não significa que o governo a ser empossado terá número correspondente de ministérios. Contudo, trata-se de sinalização preliminar da conformação do primeiro escalão que está por vir.

No que diz respeito à segurança pública, foi constituído grupo técnico denominado Justiça e Segurança Pública. Suscita inquietação o fato de o Gabinete de Transição aglutinar ambos os temas no mesmo grupo técnico. Os demais grupos  estão claramente singularizados e especializados, destacando-se Cidades, Igualdade Racial, Pesca, Povos Originários, Inteligência Estratégica, entre outros. Houve, inclusive, a preocupação de separar o grupo temático  Economia do grupo temático Planejamento, Orçamento e Gestão, corroborando intenção já manifesta do presidente eleito de diminuir a concentração de atribuições do ministério da Economia vigente.

O mesmo não aconteceu, entretanto, com a segurança pública. A primeira sinalização do Gabinete de Transição aponta para a provável não criação do respectivo ministério no futuro governo federal, contrariando promessa da campanha presidencial. Trata-se de mera conjectura, não há dúvida. Mas nos ensina a sabedoria popular que “onde há fumaça, há fogo”. Tudo leva a crer que há setores próximos ao Lula que não estão convencidos da necessidade de criação do ministério da Segurança Pública.

A responsabilidade pelo controle da criminalidade, conforme a Constituição Federal, está distribuída pelos entes federados, concentrando a maior parte do ônus nos executivos estaduais. A União tem atribuições não negligenciáveis, comandando duas forças policiais, a PF e a PRF, como também os presídios federais. Mas não para por aí. A Lei  nº 13.675, de  11 de Junho de 2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), estabelece que compete à União estabelecer a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer suas respectivas políticas, observadas as diretrizes da política nacional. Em outras palavras, o  governo federal não deve se limitar a comandar duas polícias e administrar alguns presídios próprios. Tem a responsabilidade prevista em lei de elaborar e implementar  política pública de âmbito nacional de controle da criminalidade, articulando os esforços de estados e municípios. Considerando a relevância e complexidade dessa tarefa, faz-se necessária a criação do ministério da Segurança Pública.

A simples implantação de estrutura administrativa e institucional não é garantia de efetividade de uma política pública. É preciso antes de tudo articular fontes de financiamento a diagnósticos consistentes da realidade que, por sua vez, devem fundamentar o planejamento de ações concretas para enfrentar os problemas detectados e gestão competente dos planos de ação. Porém, a institucionalidade que tem prevalecido no ministério da Justiça nas últimas décadas constitui aspecto dificultador da viabilização de política nacional de segurança pública com resultados concretos na redução da criminalidade. A SENASP, incrustada desde sempre na estrutura desse ministério, consolidou-se com o tempo como segmento técnico e administrativo referencial dos planos estratégicos do governo federal para o setor, o que se comprovou insuficiente. Divide poder e compete por recursos escassos  com outros órgãos, tais como a Secretaria Nacional de Justiça e a Secretaria Nacional do Consumidor, sem esquecer as entidades vinculadas como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).  O resultado desse modelo de ministério na prática tem sido a posição coadjuvante da segurança pública no âmbito federal. Não é casual que os  diversos ministros da Justiça que se sucederam nas últimas décadas não se  notabilizaram por eventual protagonismo na coordenação de grande esforço nacional no enfrentamento da criminalidade. A única exceção foi Raul Jungmann em 2018 , no governo Temer, ano da curta existência do ministério da Segurança Pública.

O presidente Lula precisa compreender que nos próximos quatro anos sua missão não se restringe a debelar a miséria e a fome que assolam o país. Reduzir a incidência dos crimes violentos é tarefa inadiável.  Não podemos naturalizar a ocorrência de 40 mil assassinatos, de 1500 feminicídios e de dois milhões de roubos  no país todos os anos. Como se não bastasse, diversas manifestações do crime organizado, com destaque para facções do tráfico de drogas e para as milícias, estão se fortalecendo a olhos vistos. Não se pode ignorar também que o desmatamento ilegal da Amazônia, além da mineração irregular em terras indígenas, têm clara participação de organizações criminosas que lucram com tais mercados ilícitos. A situação da segurança pública permanece muito grave. Alguns governos estaduais estão conseguindo viabilizar políticas locais de redução da violência com resultados alvissareiros, porém é preciso mais, muito mais.

A criação do ministério da Segurança Pública não deve ser interpretada como condição suficiente para a solução milagrosa para todos os problemas detectados. Contudo, trata-se de condição necessária para a indução de um processo social e institucional de reversão dos inomináveis indicadores de criminalidade violenta que atormentam a sociedade brasileira, em especial os mais pobres.

 

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