MINERAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA: PERSPECTIVAS SOBRE O CASO MARIANA-MG
O problema proposto neste artigo preconiza investigar se o rompimento da Barragem do Fundão causou impacto nos índices de segurança pública da cidade de Mariana. O argumento central desenvolvido parte do pressuposto de que o rompimento da barragem acarretou fenômenos sociais que se relacionam negativamente com os indicadores de violência e criminalidade do município
Luís Felipe Fachini*
Mestre em Ciência Política (UFRGS). Pesquisador no Centro de Estudos Internacionais Sobre Governos (CEGOV-UFRGS)
No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da Barragem do Fundão chocou a sociedade civil e a opinião pública diante da magnitude e das consequências impostas por aquele acontecimento. Segundo reportagem do G1 (D’AGOSTINO, 2015), o subdistrito Bento Rodrigues (com 300 anos de história e diretamente atingido pela barragem) foi varrido pela lama e desapareceu do mapa. A mesma reportagem afirma que, segundo o então prefeito Duarte Júnior (PPS), o rombo financeiro com o rompimento é de ao menos R$ 100 milhões, “incluindo perdas de infraestrutura, dano ambiental, pontes levadas e escolas que foram destruídas”. Segundo o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, foram liberados cerca de 60 milhões de metros cúbicos de lama tóxica no meio ambiente, comprometendo grande parte da bacia do Rio Doce. Segundo Laschefski (2020), a lama percorreu um trajeto de aproximadamente 663 quilômetros, “desaguando” posteriormente no litoral do estado do Espírito Santo.
Após o rompimento, Duarte Júnior (PPS) declarou calamidade financeira e responsabilizou a Vale S.A. pela situação do município, sob a afirmativa de que a empresa ocasionou toda a crise da cidade (LIMA, 2019), e completou dizendo que o governo municipal levaria adiante duas ações contra a empresa, “sendo uma a solicitação de antecipação de indenização para Mariana e outra para que ela mantenha o repasse do setor de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) ” (LIMA, 2019, n.p.). Segundo Duarte Júnior (PPS), a arrecadação da mineração representava 80% da receita municipal (PIMENTEL, 2015), sendo que, após o incidente, a cidade perdeu 50% da CFEM, o que levou “a quase 30% de desempregados” (FLACH, 2019). Hoje, quase sete anos após o desastre, não existem evidências de punição para as empresas ou pessoas envolvidas. Logo após deferir a denúncia do Ministério Público Federal contra 21 pessoas e três empresas, “a justiça foi tirando os réus do processo e mudou a acusação de homicídio para crime de inundação resultante em morte” (Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração).
Seguindo a tônica dos impactos proporcionados pelo rompimento da Barragem do Fundão, a jornalista Isis Ribeiro destaca que o crime ambiental gerou sérias consequências para o cotidiano das mulheres no município, sugerindo o aumento da sensação de insegurança para esta população. Grande parte das entrevistadas afirma perceberem-se em um território hostil, relatando humilhações, constrangimentos e discriminações por parte de outros moradores (RIBEIRO, 2016). Por consequência das obras após o rompimento, são relatados inconvenientes materializados através do aumento constante de homens “estranhos” passando pela cidade; desta forma, elas “muitas vezes sentem medo de circularem sozinhas onde antes conviviam tranquilamente em ambiente harmonioso”.
Sobre o que diz respeito aos índices de violência e criminalidade no município de Mariana-MG, destaca-se proeminência para as incidências de furtos, roubos e homicídios, que alcançam os maiores índices percentuais de ocorrências após o rompimento da Barragem do Fundão, representando, em 2017, um amento respectivo de 30%, 19% e 27%, como pode ser visto na tabela abaixo.
Legenda: 2015/ano base – Correspondente ao rompimento da Barragem do Fundão.
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Armazém SIDS/REDS.
Seguindo por este argumento, os dados gerais correspondentes aos índices de furto, roubo, tráfico ilícito de drogas, lesão corporal e homicídios sugerem um aumento de aproximadamente 24% nos indicadores de violência e criminalidade no município de Mariana-MG, entre 2015 e 2017, como pode ser visto na tabela abaixo:
Buscando melhor embasamento argumentativo, neste ponto recorre-se à perspectiva de análise comparada para auferir maior consistência para as proposições expostas no texto. Portanto, tem-se os dados dos municípios de São João Del Rei-MG, que compartilha do mesmo processo de construção histórica de Mariana-MG (ciclo do ouro, relações de trabalho escravo etc.), mas que atualmente não possui atividades de mineração; e de Santa Bárbara-MG, que possui proximidade territorial com a cidade analisada neste trabalho, compartilha similar processo de construção histórica e faz das atividades de mineração sua principal matriz econômica.
Partindo deste ponto, observa-se que, entre os anos de 2015 e 2017, os municípios de São João Del Rei-MG e Santa Bárbara-MG registraram uma queda respectiva de 11% e 2% para os índices de violência e criminalidade; parâmetros que caminham num sentido oposto às informações trazidas pelo contexto materializado em Mariana, após o rompimento da Barragem do Fundão. A tabela abaixo auxilia para melhor visualização da conjuntura exposta:
Buscando resumir o presente argumento, o gráfico abaixo auxilia na visualização concreta do supracitado contexto:
Gráfico 1: Registros gerais de ocorrências
Os índices de criminalidade do município de Mariana-MG caminham num sentido oposto aos de São João Del Rei-MG, onde, de maneira geral, existe um movimento de queda entre 2011 até 2020. A cidade de Santa Bárbara-MG apresenta um padrão de alta até o ano de 2015, entretanto, posteriormente, uma tendência de queda para o período subsequente.
Em síntese, sugere-se que o rompimento da Barragem do Fundão desencadeou diversas consequências, como expressiva queda de arrecadação municipal, oscilações no setor imobiliário, aumento expressivo do desemprego, desorganização social e econômica, dentre outros fatores que se projetam negativamente por meio do aumento de alguns dos índices de violência e criminalidade no município de Mariana-MG, cabendo destaque para o ano de 2017, em que os dados disponibilizados pelas instituições de segurança pública apontam para um aumento de 24%. Dessa forma, conclui-se que as consequências materiais e simbólicas oriundas do rompimento da Barragem do Fundão podem se relacionar negativamente com os parâmetros de segurança pública local.
“A mineração é um mal necessário para o município”. Esta é uma frase corriqueira para o cidadão marianense, sendo comumente expressa pelos gestores públicos. Em última análise, pode-se partir do pressuposto de que a premissa é verdadeira. Entretanto, Mariana, cidade intitulada patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO, tem condições e estruturas para promover maior diversificação econômica, visando romper o ciclo da minério-dependência. O argumento posto em evidência não busca dirimir as atividades de mineração, mas sim incentivar o debate sobre o modelo da exploração predatória que, introjetada nos processos históricos de construção do Brasil, continua a causar impactos depreciativos em todo o território nacional. Então, questiona-se: “Mas para quem?”. A resposta é sugerida pelos muros da cidade, entre clamor dos invisíveis, nefastos, apagados cidadãos, brasileiros, mineiros, marianenses, que se fazem ouvir, denunciando que “a cidade é da humanidade, mas não da comunidade”.
Referências Bibliográficas
D’AGOSTINO, R. Rompimento de barragem em Mariana: perguntas e respostas. G1, Ciência e Saúde, Notícia, 13 nov. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/11/rompimento-de-barragens-em-mariana-perguntas-e-respostas.html. Acesso em: 10 mar. 2021.
FLACH, N. Nos enrolaram e fomos esquecidos, diz prefeito de Mariana sobre desastre. Exame, Brasil, Mariana/MG, 2 fev. 2019. Disponível em: https://exame.com/brasil/nos-enrolaram-e-fomos-esquecidos-diz-prefeito-de-mariana-sobre-desastre/. Acesso em: 18 mai. 2023.
LASCHEFSKI, K. A. Rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho (MG): Desastres como meio de acumulação por despossessão. Ambientes. v.2, n. 1, 2020, pp. 98-143. Disponível em: https://doi.org/10.48075/amb.v2i1.23299. Acesso em: 18 out. 2023.
LIMA, D. Prefeito de Mariana declara calamidade financeira e culpa a Vale. Estado de Minas, Notícias, Gerais, 25 mar. 2019. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2019/03/25/interna_gerais,1040890/prefeito-de-mariana-declara-calamidade-financeira-e-culpa-a-vale.shtml. Acesso em: 1 mai. 2020.
PIMENTEL, T. Prefeito de Mariana diz que prejuízo com barragem é de R$ 100 milhões. G1, Notícias, Mariana, 11 nov. 2015. Disponível em: https://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/prefeito-de-mariana-diz-que-prejuizo-com-barragens-e-de-r-100-milhoes.html. Acesso em: 10 abr. 2020.
RIBEIRO, I. Seis meses após crime ambiental em Mariana (MG), as respostas ainda não foram dadas. Brasil de Fato, Minas Gerais, 6 maio 2016. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/05/06/seis-meses-depois-da-tragedia-de-mariana-as-respostas-ainda-nao-foram-dadas/. Acesso em: 7 mar. 2021.
* Artigo completo disponível na Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 17, n. 2 (2023)