Perícia em evidência 29/05/2024

Matou a família e foi à academia malhar: como a perícia está ajudando a entender um fato tão incompreensível

Compartilhe

Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O título desta coluna nos remete a Matou a Família e Foi ao Cinema, filme brasileiro com roteiro e direção de Júlio Bressane. A produção foi exibida no ano de 1969, servindo posteriormente de inspiração para um remake de 1991, dirigido por Neville de Almeida. Para alguns cinéfilos de plantão, ficaram na lembrança alguns dos atores da segunda versão: Cláudia Raia, Louise Cardoso e Alexandre Frota. Na internet, a pesquisa pelo título encontra como possível classificação a categoria Terror Trash.

Terror mesmo foi o efeito produzido pela leitura da notícia veiculada sobre um fato ocorrido no último dia 17 de maio em uma casa na zona oeste de São Paulo. Um adolescente de 16 anos matou o pai, a mãe e a irmã.

Os detalhes e a cronologia do crime são ainda mais estarrecedores:

O motivo, segundo o próprio adolescente, teria sido a proibição do uso do seu celular e de seu computador. Ele então decidiu e planejou a morte dos pais e da irmã, também de 16 anos. A descrição resumida da sequência dos fatos é aqui apresentada:

  • Quinta-feira (16/05/24): o adolescente se desentende com os pais. No boletim de ocorrência, o jovem narrou que havia sido chamado de “vagabundo” pelos pais, que teriam tomado seu celular e seu computador. Sem os dispositivos, o jovem não conseguiu realizar uma apresentação na escola;
  • Sexta-feira (17/05/24): o jovem, sozinho em casa, conhecendo o local onde o pai (que era membro da Guarda Civil Municipal) guardava uma arma de fogo, se apropria dela. Ele então testa a arma, uma pistola Taurus 9mm. Quando o pai e a irmã chegaram, decide agir. Perto das 13hs, o pai estava na cozinha, de costas, quando foi atingido por um disparo na nuca, morrendo quase instantaneamente. Após o disparo, o adolescente foi ao andar superior da casa e atirou na irmã. Antes de morrer, ela teria feito a ele pergunta sobre o barulho de tiro e, em seguida, recebido um disparo no rosto. Na sequência, o adolescente teria almoçado, enquanto os corpos jaziam na casa. Segundo consta no B.O, após os dois crimes o adolescente chegou a se alimentar na residência e ir para a academia, aguardando que a mãe voltasse do trabalho. O jovem então recepcionou a mãe antes de matá-la. O relógio marcava 19h quando a mãe chegou a casa. Num gesto de aparente gentileza, o rapaz abriu o portão e aguardou a entrada da mãe. Ao encontrar o cadáver do marido, a mulher gritou e, em seguida, levou um tiro pelas costas, caindo junto ao corpo do esposo. A arma teria ficado escondida em um sofá até a chegada da mãe.
  • Sábado (18/05/24): o rapaz, após praticar atividades de rotina, como ir até a academia e à padaria, decidiu cravar uma faca nas costas do corpo da mãe. A justificativa:  “ainda estar com raiva dela“.
  • Domingo (19/05/2024): o jovem se entrega. Segundo consta, o adolescente ligou para a polícia dizendo que havia matado os familiares usando a arma do pai. Os agentes foram até o local, na rua Raimundo Nonato de Sá, Vila Jaguara, São Paulo, e constataram a veracidade quanto aos três óbitos.

Os crimes praticados pelo adolescente correspondem a três homicídios, (sendo um ou dois feminicídios, a depender do enquadramento), ao vilipêndio cadavérico (facada no corpo da mãe) e ainda, posse de arma de fogo. As informações até aqui divulgadas relatam que o adolescente disse já ter pensado em matar os pais antes, mas que nunca chegara a planejar. Em depoimento, o jovem teria alegado que não se arrependeu do que fez. Ele foi encaminhado à Fundação Casa, onde segue apreendido.

Durante os exames periciais e diligências, foram apreendidos os celulares do pai, da mãe e da irmã, além do aparelho do garoto e do computador dele.

A perícia vai procurar colaborar para o entendimento do crime. Além dos detalhes que serão descritos e documentados no laudo de exame de local, teremos ainda os laudos cadavéricos das três vítimas, as perícias em imagens de câmeras, obtidas nas imediações e locais onde o jovem esteve entre a quinta-feira e o domingo em que os fatos ocorreram. Exames balísticos (eficiência e confrontos balísticos) serão obrigatoriamente realizados na arma empregada no crime. Exames nos celulares dos pais e da irmã, bem como no computador pessoal e no aparelho móvel do adolescente poderão ajudar para que se compreendam os fatos, esclarecendo a motivação e até mesmo permitindo conhecer um pouco da personalidade do jovem. Não se descarta que sejam realizados exames periciais específicos da área da psicologia e psiquiatria forense.

Seis dias depois desse crime, outra notícia circulou na mídia, apresentando uma mórbida semelhança:  desta vez um jovem, também de 16 anos, foi apreendido, após matar, no dia 23/5, os pais adotivos a marteladas e incendiar o quarto do casal em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro. O motivo do crime seria uma discussão sobre os pais não permitirem que o filho faltasse às aulas para frequentar os treinos de jiu-jítsu. Após o crime, o adolescente teria saído para lanchar com um amigo e, ao retornar, ateou fogo no quarto em que os corpos dos pais estavam, no 2º andar da casa. O adolescente ligou para a polícia e para os bombeiros.

Encerro este tema pesado com um trecho de um poema de Sonia Gonçalves:

Mundo estranho…
Pessoas estranhas
Por onde me entranho
Vou me estranhando também…”

 

 

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES