Perícia em evidência 02/05/2024

“Mãe, bati meu Porsche, venha me buscar!”. Como a perícia vai ajudar a esclarecer o acidente envolvendo um carro de luxo em São Paulo

Os peritos estiveram novamente na via onde se deu o acidente para realizar uma reprodução simulada, usando um drone para sobrevoos e filmagens, além de um scanner terrestre posicionado junto ao ponto onde se deu a colisão, capturando imagens em 360°

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No último dia 31 de março, um domingo de Páscoa, um grave acidente envolvendo um carro de luxo, ocorrido na zona leste da capital paulista, recebeu destaque nos veículos de comunicação. Durante todo o mês de abril, as notícias que se seguiram, alimentadas por fatos novos, e o desenrolar das investigações iniciais mantiveram o caso na mídia. A delegacia do Tatuapé, o 30º Distrito Policial (DP), ficou encarregada das apurações.

O acidente ocorreu na Avenida Salim Farah Maluf, via com limite de velocidade de 50 km/h no ponto onde a colisão ocorreu. Quem conduzia o Porsche, um carro esportivo de luxo avaliado em mais de R$ 1 milhão, era o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, 24 anos. O acidente se caracterizou como uma colisão traseira, que envolveu um Renault Sandero conduzido por Ornaldo da Silva Viana, motorista de app. Com o impacto, o Sandero foi arremessado contra um poste de energia elétrica e Ornaldo, mesmo socorrido num hospital, acabou morrendo em decorrência de uma parada cardiorrespiratória. Um amigo do motorista do Porsche, o estudante de medicina Marcus Vinicius Machado Rocha, que estava no banco do passageiro, acabou ficando gravemente ferido.

Após o acidente, o empresário ligou para sua mãe, pedindo que fosse até o local. Há gravações de imagens com a mulher tentando deixar o local com o filho. Abordada por policiais que atenderam a ocorrência, pediu para levar Fernando a um hospital. Os agentes autorizaram sem que o condutor realizasse um teste de bafômetro. A mãe chegou a informar o nome do hospital ao qual levaria o filho. Ao se deslocarem para lá, policiais foram informados que a mãe e o dono do Porsche não tinham se dirigido até o hospital. A partir daí, a polícia passou a tratar o empresário como foragido. Ele se apresentou à delegacia que apura os fatos apenas 38 horas depois, acompanhado de advogados, que negaram que ele tivesse fugido.

No depoimento, o empresário contou que esteve em um clube de pôquer na Rua Marechal Barbacena, no bairro da Água Rasa, por volta das 23h de sábado (30), acompanhado de um amigo de 22 anos. Os dois teriam permanecido no local até 2h de domingo. No trajeto até a casa do amigo, Fernando relatou que trafegava com seu Porsche no sentido Radial Leste quando “viu a luz de freio de um veículo à frente acender, e ao tentar desviar“, colidiu com o veículo. Alegou ainda que estava em velocidade “um pouco acima do permitido“.

As polêmicas envolvendo o caso cresceram com a mudança do delegado que conduzia o inquérito policial. O delegado foi afastado no dia 18 de abril, sendo transferido do 30º Distrito Policial (DP), Tatuapé, para o 81º DP, Belém. Segundo informações veiculadas na mídia, a mudança ocorreu após críticas internas e externas contra o delegado na condução do inquérito.

O delegado afastado já havia solicitado à Polícia Militar que entregasse as imagens das câmeras corporais que os agentes usavam durante o atendimento e o socorro às vítimas do acidente. As gravações suscitaram novas questões e as condutas dos policiais também passaram a ser objeto de investigações.

Uma das questões mais importantes passou a ser a possível ingestão de álcool pelo empresário. Comandas do local onde ele esteve antes do acidente foram localizadas, demonstrando consumo de bebidas alcóolicas por parte de grupo de pessoas, sem contudo individualizar os consumos. Em declaração, o amigo que o acompanhava e a namorada contaram à Polícia Civil que Fernando havia bebido antes de dirigir, o que seguiu sendo negado pelo empresário. Quando algumas imagens das câmeras corporais foram divulgadas, ficou claro que havia pelo menos indícios de ingestão de álcool. Em depoimento, um dos socorristas (um bombeiro) foi enfático em dizer que o empresário estava com sinais de embriaguez.

A perícia foi realizada no local e também em imagens das câmeras que captaram os veículos envolvidos na colisão. As informações encontradas surpreenderam: enquanto o Sandero trafegava a 40km/h, o Porsche teve sua velocidade estimada em 156km/h. Na continuidade aos trabalhos da perícia, em atendimento a um pedido no Ministério Público, os peritos estiveram novamente na via onde se deu o acidente para realizar uma reprodução simulada, usando um drone para sobrevoos e filmagens, além de um scanner terrestre posicionado junto ao ponto onde se deu  a colisão, capturando imagens em 360°. Com esses dados, os peritos pretendem produzir uma animação, reproduzindo a dinâmica do acidente. Os vídeos que mostram a batida, captados por câmeras de segurança, também servirão como fonte de informação nesse trabalho.

O inquérito e o provável processo ainda vão trazer desdobramentos e repercussões. O empresário, após pagar uma fiança de R$ 500 mil, foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio por dolo eventual (por ter assumido o risco de matar Ornaldo), lesão corporal (ferir Marcus) e fuga do local do acidente (para não fazer o teste do bafômetro), além de ter suspensa sua carteira de motorista e o seu passaporte retido. Certamente vai pesar contra si a informação de que 12 dias antes do acidente ele havia recuperado o direito de dirigir após ter sua habilitação suspensa por estourar pontos em infrações, entre elas excesso de velocidade.

Do outro lado, o da família da vítima, restou a declaração do filho do motorista por aplicativo Ornaldo, morto no acidente: “Um sentimento de injustiça gigantesco dentro de mim“, escreveu Luam Silva, em seu Instagram.

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