Inflexão das mortes violentas no Pará
Entre todas as ações adotadas pelo governo para reduzir as estatísticas criminais, destaca-se o programa “Territórios pela Paz”, que consiste na articulação de políticas públicas de inclusão e de segurança e defesa social visando ao aumento dos índices de desenvolvimento humano e de estratégias de prevenção da violência e da criminalidade
Sandoval Bittencourt de Oliveira Neto
Coronel da reserva (PMPA), doutor em Sociologia (UnB), membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Por três anos consecutivos, o Governo do Pará vem alcançando resultados consistentes na oferta de segurança à população paraense, assevera a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social. Em 2021, o número de crimes registrados foi 43% menor em comparação a 2018. A atual gestão conseguiu levar o Pará do ranking dos estados mais violentos do Brasil ao topo entre os que mais reduziram a criminalidade.
Diferente da maioria dos estados da região Norte, o Pará acompanha a tendência de queda registrada no país e alcança, no mês de dezembro de 2021, a redução de 37% nos crimes violentos letais intencionais. O melhor dezembro na série histórica dos últimos anos.
A letalidade policial segue o arrefecimento da violência, com menor intensidade. O número de Mortes por Intervenção de Agente do Estado (MIAE) – indicador utilizado pelo Governo do Pará praticamente determinado pela ação letal dos policiais militares – marca a diminuição de pouco mais de 10% no período. Houve um leve recuo em comparação com as demais quedas, porém não menos relevante.
São vários os fatores intervenientes que concorrem para a oscilação do número de crimes. De acordo com especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil ganham destaque:
- A profissionalização do mercado de drogas; a estabilidade do monopólio do tráfico de drogas ilícitas de uma facção criminosa em dado território; a interiorização da violência, no campo e na floresta, associada a crimes ambientais e à criminalidade organizada;
- A redução do número de jovens na população;
- Os programas de enfrentamento à violência focados nos grupos vulneráveis; as ações de retomada do controle no sistema prisional; o maior controle e influência dos governos sobre os criminosos; os avanços na integração entre as forças de segurança pública e os Ministérios Públicos; o maior e melhor repasse de recursos destinados à segurança pública por meio do SUSP e de novas regras.
A análise desses fatores aclara a oscilação negativa dos números da criminalidade no Estado do Pará, em especial dos homicídios. Vejamos alguns:
Desde 2019, as disputas territoriais entre duas facções criminosas pelo mercado de drogas ilícitas serenaram na região metropolitana da capital, Belém, uma vez conquistada a hegemonia por um dos grupos contendores, o que fez cair o número de mortes em razão da querela.
Por outro lado, a forte retomada do controle do sistema penitenciário paraense pelo Estado, a partir de 2019, trouxe nova ordem e rigorosa disciplina às casas penais. Dentre vários efeitos, diminuiu expressivamente a comunicação entre criminosos privados de liberdade e suas quadrilhas, que assolam as cidades. O monitoramento integrado das facções dentro e fora do cárcere é permanente. Lideranças são isoladas sempre que necessário; 86 presos foram transferidos para o sistema penitenciário nacional. Faz dois anos que aparelhos e chips telefônicos não são apreendidos nos presídios paraenses.
Para a queda dos homicídios, concorre também a prisão de milicianos e integrantes de grupos de extermínio que prestavam serviços às facções interessadas em eliminar os rivais. A atuação integrada de equipes de delegacias especializadas e da corregedoria da polícia militar possibilitou a melhor investigação e resultou na prisão de 55 policiais militares nos últimos três anos. Ademais, no período, a mudança na Lei de Organização Básica da PMPA deu à organização a capacidade para realizar investigações complexas, reforçadas pela aquisição do sistema de interceptação telefônica “Guardião”.
A redução da letalidade policial, do mesmo modo, parece guardar direta relação com o fortalecimento dos mecanismos de controle organizacional, somado à modernização do Código de Ética da PMPA ao qual se credita a diminuição da indisciplina verificada. Em adição, a melhor resposta institucional às ameaças sofridas por policiais e à vitimização de agentes, por meio da adoção do protocolo publicado em boletim geral que atribui responsabilidades aos comandantes de área e determina o pronto acompanhamento in loco de equipes da corregedoria, desautorizou as antes contumazes ações extralegais, as sinistras vendetas e chacinas que tanto assombraram o imaginário da população da metrópole, até 2018.
Quanto à redução dos crimes em geral, parece estar associada ao expressivo aumento do policiamento ostensivo no espaço público, por meio do incremento de guarnições motorizadas e, em especial, da oferta de gratificação complementar para jornadas operacionais extraordinárias que garantem renda extra aos policiais militares, afastando-os da prática não-autorizada de segurança privada clandestina, o “bico”, na maioria das vezes suscetível a grave risco e à relação venal com milícias e grupos de extermínio. No ano de 2021, em média, foram ofertadas 27 mil jornadas extraordinárias por mês. Em 2022, já são 31 mil. As jornadas extraordinárias são direcionadas ao reforço do policiamento, nos locais e horários críticos previamente estudados pelas seções de inteligência e análise criminal. Municípios paraenses que no passado recente figuraram entre os mais violentos do Brasil são hoje mais bem policiados.
Dentre todas as ações do Governo elencadas como intervenientes na redução dos crimes a partir de 2019, uma merece especial atenção nacional por se esquivar da resposta tradicional das forças policiais (mais homens, armas e viaturas). Trata-se do programa Territórios pela Paz – TerPaz, que estabelece a inclusão social como vetor para a diminuição da violência. O programa consiste na articulação de políticas públicas de inclusão social e de segurança e defesa social – envolvendo mais de 35 secretarias de governo, fundações e órgãos da administração direta e indireta, além de parcerias com instituições públicas e privadas – visando ao aumento dos índices de desenvolvimento humano e de estratégias de prevenção da violência e da criminalidade, com enfoque na recuperação de territórios de descoesão social identificados na região metropolitana de Belém e no Estado. Os territórios de maior incidência de homicídios, sobretudo.
Na operacionalização do programa, cabe às polícias estaduais, mormente à polícia militar, o choque operacional na fase inicial, por meio do reforço do policiamento ostensivo, para o apaziguamento dos territórios então assolados por alta incidência de crimes violentos. A estabilidade assegurada pela polícia é fulcral ao desenvolvimento das demais políticas, forças motrizes da inclusão social e expansão da cidadania. Há muito já se sabe que segurança pública não é só polícia.
A efetiva presença, nos territórios, do poder público em parceria com a iniciativa privada e a sociedade civil organizada tem possibilitado à polícia ostensiva o exercício da mera atividade de policiamento, ordinária, desonerada da pressão por resultados e por soluções para problemas sociais que extrapolam a alçada policial.
Tampouco os policiais militares envolvidos nos Territórios pela Paz estão preocupados em baixar os números da criminalidade. Nem em caçar criminosos. Eles estão comprometidos em prover segurança local de maneira humanizada, competente e no limite da sua capacidade operativa.
Com isso, as unidades do TerPaz, ou melhor, as Usinas da Paz como são chamadas, têm se mostrado verdadeiros ecossistemas propícios a novas interações entre os policiais e os moradores dos territórios antes estigmatizados, oportunos ao desenvolvimento de novos afetos, representações e comportamentos empáticos e respeitosos recíprocos.
A realidade desponta promissora e autoriza imaginar um premente novo ethos para a segurança pública, cidadão e democrático. Oxalá a celebrada oscilação negativa se consolide como ponto de inflexão.