Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Entre 2012 e 2022, 131.562 pessoas morreram de morte violenta sem que o Estado conseguisse identificar a causa básica do óbito, se decorrente de acidentes, suicídios ou homicídios, as chamadas Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI). Esse fenômeno de indeterminação na causa do óbito aumentou consideravelmente em 2018 e 2019, conforme apontado por Cerqueira e Lins (2024a). Tendo em vista que parcela dessas MVCI é, na realidade, homicídios que ficaram ocultos nas estatísticas, as análises sobre prevalência da violência letal ficam prejudicadas, sobretudo pelo motivo de que tal situação não ocorre de maneira aleatória, mas concentrada em um conjunto restrito de UFs.
Visando contornar esse problema, Cerqueira e Lins (2024b) estimaram a parcela de homicídios ocultos dentre o conjunto de MVCI. Nesse trabalho, os autores utilizaram uma metodologia baseada em modelos de aprendizado supervisionado (machine learning), em que o padrão probabilístico de características pessoais e situacionais para cada tipo de evento (se homicídio, suicídio ou acidente) foi aprendido a partir do uso intensivo de dados. A análise baseou-se nos microdados de óbitos por causas não naturais (ou violentas) ocorridas no Brasil desde 1996.
Com base na metodologia de Cerqueira e Lins (2024b), apresentamos aqui o número e a taxa de homicídios estimados, sendo que o número de homicídios estimados corresponde à soma dos homicídios registrados com os homicídios ocultos.
No período compreendido entre 2012 e 2022, o número de homicídios ocultos foi igual a 51.726. Portanto, consideramos que, nesse período, ao invés de ter ocorrido 609.697, houve, na realidade, 661.423 homicídios no país. Para que se possa entender a magnitude do problema, o número de homicídios ocultos entre 2012 e 2022 foi maior do que todos os homicídios ocorridos no último ano analisado.
O Mapa 3.1 apresenta a taxa de homicídios estimados por 100 mil habitantes em cada UF no ano de 2022. Ao compará-lo com o Mapa 2.1 (taxa de homicídios registrados), o leitor pode verificar que existem certas alterações, em particular, em São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco.
O Gráfico 3.1 mostra o número e a taxa de homicídios estimados por 100 mil habitantes entre 2012 e 2022. Pode-se observar que entre 2019 e 2022 houve estabilidade no número, que se manteve no patamar de 52 mil homicídios, e uma variação negativa de 2,7% na taxa.
O Gráfico 3.2 mostra a evolução das taxas de homicídios estimados e registrados. Note que as duas curvas seguem paralelas, sendo que, a partir de 2018, em função do aumento de MVCI e, consequentemente, de homicídios ocultos, essa diferença aumentou. De fato, a média da diferença entre as duas taxas entre 2012 e 2017 era de 1,8 homicídio por cem mil habitantes. Entre 2018 e 2022 essa diferença média aumentou para 2,8 homicídios por cem mil habitantes. Ou seja, parcela da queda dos homicídios registrados a partir de 2018 pode ser atribuída a uma piora na qualidade dos dados, que fez com que existissem mais homicídios que ficaram ocultados nas estatísticas oficiais.
As tabelas 3.1 e 3.2 apresentam o número e a taxa de homicídios estimados para cada UF, entre 2012 e 2022. Note que a inclusão dos homicídios ocultos na taxa estimada faz mudar significativamente os indicadores para um grupo de UFs, em particular. São Paulo é o caso mais extremo: em 2022, enquanto a taxa de homicídios registrados era de 6,8 para cada cem mil habitantes, a taxa estimada naquele ano era de 12,0. Com isso o estado de São Paulo deixa de ser a UF menos violenta da nação, passando para a terceira posição, atrás de Santa Catarina e do Distrito Federal. Da mesma forma, o Rio de Janeiro passa de 7ª UF menos violenta para a 10ª posição. Considerando o período entre 2019 e 2022, comparando as tabelas 2.1 e 3.1, concluímos que ocorreram no Brasil 24.102 homicídios ocultos, que passaram ao largo das estatísticas oficiais de violência no país. Tais homicídios, cujas causas verdadeiras o Estado não reconheceu, corresponderiam a tragédias invisibilizadas como a queda de 160 boeings totalmente lotados sem sobreviventes.