Segurança no Mundo 19/03/2025

Guerra às drogas no banco dos réus: a prisão de Duterte e os paralelos com o Brasil

O desfecho do caso do ex-presidente filipino será um teste para os limites da responsabilização internacional diante de líderes que utilizam o Estado para institucionalizar a violência

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Ariadne Natal

Pesquisadora associada do Peace Research Institute Frankfurt; associada plena do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Rodrigo Duterte, ex-presidente das Filipinas, foi preso em Manila e transferido para a custódia do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda, em 12 de março de 2025. Sua prisão decorre de um mandado emitido pela Câmara Pré-Julgamento I do TPI, que o acusa de crimes contra a humanidade no contexto da chamada “guerra às drogas”. Este caso marca um precedente significativo, pois Duterte poderá se tornar o primeiro ex-chefe de Estado da Ásia a ser julgado pelo TPI por execuções extrajudiciais ligadas a uma política de segurança pública.

As acusações contra Duterte remontam à sua atuação como prefeito da cidade de Davao, onde foi associado ao grupo de extermínio Davao Death Squad (DDS). Esse histórico se intensificou durante sua presidência (2016-2022), período em que sua política de segurança pública levou a um número sem precedentes de execuções extrajudiciais. Estima-se que ao menos 6 mil pessoas tenham sido mortas. Apenas nos primeiros seis meses de seu governo, mais pessoas foram mortas em operações policiais do que em toda a década anterior (Natal e Kreuzer 2024)[1]. A retórica de Duterte encorajou a violência e a impunidade, dando carta branca à polícia para realizar execuções extrajudiciais sob a promessa de proteção contra repercussões legais. Esse ambiente institucionalizado de violência foi sancionado e protegido pelo Estado.

Importante destacar que, embora Duterte tenha desempenhado um papel central na escalada da letalidade policial, sua política de extermínio foi viabilizada pela falência deliberada das instituições de controle. O Ministério Público e a Corregedoria da Polícia, responsáveis por investigações sobre abusos, omitiram-se e, em muitos casos, arquivaram denúncias. O Congresso, dominado por aliados do ex-presidente, não apenas financiou essas operações, mas também bloqueou tentativas de investigação independente. Além disso, a Comissão de Direitos Humanos teve seu orçamento reduzido e foi enfraquecida publicamente. A Suprema Corte, por sua vez, permaneceu amplamente passiva. Dessa forma, o fracasso dessas instituições permitiu que Duterte consolidasse um regime de impunidade policial, demonstrando como o enfraquecimento dos freios e contrapesos pode institucionalizar e perpetuar a violência estatal.

A primeira audiência de Duterte no TPI já ocorreu, na qual ele foi informado dos crimes imputados. O tribunal decidirá, nos próximos meses, se há evidências suficientes para levá-lo a julgamento, um processo que pode se arrastar por anos. Se condenado, Duterte pode enfrentar prisão perpétua. Enquanto isso, sua prisão gera reações divididas nas Filipinas, com manifestações tanto em apoio quanto em repúdio à sua extradição.

O caso filipino guarda diversos paralelos com a realidade brasileira no que diz respeito à instrumentalização da segurança pública para fins políticos, tanto em nível federal quanto estadual. Assim como nas Filipinas, líderes da extrema-direita brasileira exploram o medo do crime para mobilizar apoio popular a políticas de repressão violenta. Durante o governo Bolsonaro, houve um incentivo explícito à ação policial letal, com propostas como o excludente de ilicitude. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas reduziu o programa de câmeras corporais da polícia e enfraqueceu mecanismos de controle, ao mesmo tempo que ampliou operações letais em favelas e comunidades. Esse ambiente político favorece a legitimação da violência policial como ferramenta de governança.

Outro paralelo crucial é a garantia de impunidade para agentes de segurança envolvidos em execuções extrajudiciais. No caso filipino, Duterte assegurou que policiais não seriam punidos por suas ações enquanto no Brasil há um movimento para garantir o excludente de ilicitude e outras formas de proteção jurídica para policiais envolvidos em casos de letalidade. Essa dinâmica é complementada por uma atuação tímida e até negligente das instituições de controle, sobretudo os Ministério Públicos estaduais e poderes legislativos. Esse enfraquecimento institucional favorece a consolidação de políticas de segurança baseadas na força bruta e dificulta a reversão desse ciclo de violência.

O desfecho do caso Duterte será um teste para os limites da responsabilização internacional diante de líderes que utilizam o Estado para institucionalizar a violência. No Brasil, o enfraquecimento dos mecanismos de controle e o discurso de guerra ao crime pavimentam um caminho perigoso para a consolidação de políticas de segurança baseadas na força bruta. Se essa tendência persistir, o país pode trilhar a mesma trajetória das Filipinas, onde execuções extrajudiciais sancionadas pelo Estado não apenas se normalizam internamente, mas também passam a ser enquadradas como crimes contra a humanidade, sujeitas à responsabilização internacional.

 

Referências
[1] NATAL, Ariadne; KREUZER, Peter. Violent mandates: Presidential power, institutional failure, and the rise of police killings in Brazil and the Philippines. Frankfurt: Peace Research Institute Frankfurt (PRIF), 2024.

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