Profissão Polícia 21/11/2024

“Gestão participativa e humanizada” dá o tom do discurso assumido pelo novo comandante geral da Polícia Militar de Minas Gerais junto à tropa

Gestor tem apresentado respostas ponderadas a questionamentos dos policiais da ativa e dos veteranos, equilibrando temas sensíveis como paridade, previdência, saúde mental e condições de trabalho

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Juliana Lemes da Cruz

Doutora em Política Social pela UFF, Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Cabo da Polícia Militar de Minas Gerais

O coronel Carlos Frederico Otoni Garcia assumiu o comando geral da Polícia Militar de Minas Gerais no final de setembro. Logo em seu primeiro mês no cargo, tomou medidas para conter a preocupante insatisfação da base da corporação frente ao atual governo do Estado. Embora sua aposta sinalize iniciativas aparentemente simples, tem chamado atenção pela inovação na forma de difundir sua mensagem. Ao invés de delegar, o oficial tem ido pessoalmente a diferentes unidades do Estado, onde se apresenta, promove o diálogo e mede a temperatura, que tem por base a tropa.

Sob um discurso que propõe a quebra de paradigmas, utilizando como argumento central a gestão participativa e a humanização das relações de trabalho, o oficial equilibrou temas sensíveis como paridade, previdência, saúde mental e condições de trabalho com respostas ponderadas frente aos questionamentos dos policiais da ativa e veteranos convidados a participar da sua visita a unidades da PM em Belo Horizonte e no interior de Minas.

Entre seus passos em nível institucional, buscou a reaproximação com o Legislativo, lideranças e associações de classe; concentrou informações oficiais do comando na página principal da sua rede corporativa; quebrou a formalidade característica dos eventos que envolvem o comando geral para dar voz aos policiais da ativa e veteranos das diferentes regiões do estado, por meio do convite aberto ao diálogo presencial sobre os rumos da instituição.

Vale lembrar que a presente descrição em forma de relato ganhou modo de registro após consulta ao coronel Frederico acerca do meu interesse pela difusão das percepções comungadas no pós-encontro, nos espaços coletivos ocupados pelos policiais dos setores administrativo e operacional (ponta da linha) lotados na 15ª Região, sediada em Teófilo Otoni, bem como suas expectativas diante da nova proposta de gestão. Sem pressa e com singular habilidade, o oficial respondeu às questões, colocando-se em um lugar como em poucas oportunidades se viu da parte de um gestor da instituição.

Na ocasião da sua visita ao nordeste de Minas, o novo comandante dialogou de forma horizontal ao incentivar o debate sem ruídos aos princípios da hierarquia e disciplina, regentes oficiais da dinâmica corporativa. Com o cuidado de se expressar com linguagem clara e direta, ouviu questionamentos e desabafos dos militares sem interrompê-los; demonstrou respeito às diferenças de opinião e reconheceu as especificidades dos lugares de onde os policiais manifestaram seus relatos, perguntas, queixas ou sugestões.

De forma segura e não impositiva, deu respostas às questões mais sensíveis, o que resultou na troca de saberes e percepções durante mais de três horas. A atitude, que parece comum em outros espaços, no meio policial militar assume o papel de desconstrução da ideia dos rígidos rituais que cercam os pronunciamentos do mais alto posto de comando (Comandante Geral) para o público interno que atua distante dos grandes centros urbanos. Que, não raro, é representado na capital do Estado por sua autoridade direta, oriunda do quadro de oficiais.

Na oportunidade, a destreza do oficial encorajou a participação dos envolvidos, além de oferecer oportunidades de interlocução entre comandantes diretos e subordinados naquele espaço de discussão. O destaque aos seus primeiros movimentos ocorreu por representar uma referência importante para a atualização da gestão das polícias, capaz de influenciar a tomada de decisão no sentido da simplificação dos processos, o que cria condições para uma melhora na interação entre categorias de praças e oficiais que costumam apresentar demandas razoavelmente diferentes.

Dados do Raio X das Forças de Segurança Pública no Brasil  (FBSP, 2023) apontam a disparidade de efetivo e média de remuneração entre a base e o topo das corporações policiais militares do país. Tal realidade condiciona necessidades e interesses. Assim, embora seja socialmente reconhecida como classe única (dos policiais militares), quanto à natureza funcional e demandas requeridas, constitui duas categorias profissionais: as praças e os oficiais. Por conseguinte, o gerenciamento do diálogo produtivo e a promoção do consenso entre os dois segmentos constituem um dos maiores desafios institucionais.

No âmbito do planejamento da segurança pública nos territórios, cabe considerar as especificidades regionais que abarcam histórico sociocultural, perfis econômico, ambiental e político, além das limitações e potencialidades das regiões como elementos condicionantes ao desenvolvimento das atividades de policiais em nível local.

Inicialmente, o governador mineiro, Romeu Zema, parece ter acertado ao indicar o citado coronel, à medida que este parece estar envidando esforços no sentido de frear o avanço do desgaste e a tensão provocada pelo dissenso entre prioridades do governo e reivindicações da tropa. Essa situação vem se arrastando em razão da perda considerável do poder de compra da maioria dos policiais estaduais nos últimos anos, decorrente da falta de reajuste salarial. Trata-se de fator que impacta, principalmente, a categoria de base.

No sentido do que se espera de uma gestão alinhada à segurança cidadã, para que a prestação de serviços responda de forma adequada, é necessário que os profissionais de ponta estejam bem. Para tanto, uma gestão que considere o bem-estar dos policiais como determinante para o alcance das metas pactuadas representa a promessa de respostas cada vez mais qualificadas frente às distintas demandas apresentadas às instituições policiais. Como fenômeno global, esse movimento cria expectativas e nutre a esperança do estreitamento “polícia e comunidade” como alternativa à expansão da violência e ao fortalecimento da criminalidade organizada.

Por fim, o movimento de conferir legitimidade a posturas pouco assumidas, mas com potencial de quebrar paradigmas associados à forma de enxergar e fazer a segurança pública, destaca dois caminhos complementares. De um lado, a importância do reconhecimento do policial como parte de uma classe de trabalhadores que também merece cuidado e atenção. De outro, quando se joga luz sobre a condição humana desse profissional, abre-se a possibilidade da entrega de serviços mais bem qualificados, que são uma resposta aos anseios da população.

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