Múltiplas Vozes 06/08/2025

Uma revolução silenciosa na segurança pública brasileira

Iniciativa inovadora veio para conectar em rede e de forma ágil e segura profissionais de segurança pública, promovendo a integração de saberes, compartilhamento de informações estratégicas e o fortalecimento de práticas investigativas em todo o território nacional

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Kerlly Santos

Policial Civil, pesquisadora, associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Fundadora e Presidente do Fórum INTEGRA

Nos últimos anos, a segurança pública tem se deparado com um cenário cada vez mais desafiador, pois a evolução da tecnologia impacta todas as esferas da vida em sociedade.

O resultado não poderia ser outro: migração criminal (dos crimes violentos para os digitais), fraudes complexas, lavagem de dinheiro, tráfico transnacional e grupos criminosos que se infiltram nas mais diversas esferas do poder público e privado visando influenciar decisões e obter informações, e tudo isso exige que as instituições estatais tomem uma nova postura.

Diante dessa realidade, tornou-se evidente que os meios tradicionais de atuação, baseados em estruturas fragmentadas e comunicação burocrática, não são suficientes. É preciso romper barreiras institucionais, encurtar caminhos e apostar na inteligência coletiva como estratégia de combate ao crime.

É nesse contexto que surge a proposta do Fórum INTEGRA (antes, Projeto INTEGRA): uma iniciativa inovadora, criada para conectar em rede e de forma ágil e segura profissionais de segurança pública, promovendo a integração de saberes, compartilhamento de informações estratégicas e o fortalecimento de práticas investigativas em todo o território nacional.

DE IDEIA À REDE NACIONAL

No final do ano de 2022, foi criado o então Projeto INTEGRA, em resposta a um problema crônico e persistente no Brasil: a dificuldade de comunicação entre agentes de segurança pública de diferentes estados e instituições. Em um país de dimensões continentais, onde burocracias e silos institucionais por vezes impedem uma atuação coordenada, o Projeto INTEGRA surgiu como um elo essencial – um ecossistema colaborativo voltado à redução de distâncias e o compartilhamento do conhecimento para construção de uma inteligência coletiva, além da necessária valorização dos profissionais que atuam na linha de frente. Sua criação respondeu a uma demanda antiga e recorrente entre estes profissionais, mas que, embora existente o desejo de cooperar, até então não havia um espaço estruturado que viabilizasse essa troca de forma regular e qualificada.

Mas a proposta original era modesta: reunir cem profissionais das diferentes polícias judiciárias em um único grupo do WhatsApp com a finalidade de criar uma rede de confiança que pudesse auxiliar com contatos, e ensinando procedimentos em troca de receber ainda mais conhecimento de seus pares. Em poucos meses, o projeto já ultrapassava a marca de mil membros, todos eles verificados individualmente. O crescimento da rede se deu de forma orgânica e sustentável. O segredo? Confiança mútua, segurança nas interações e um compromisso coletivo com a eficiência e a ética.

Hoje, o INTEGRA não é apenas uma comunidade: é um modelo. Mais de 2.500 membros espalhados por todas as unidades da federação, impactando diretamente a realidade de mais de 600 municípios – sendo todos os membros policiais civis ou federais em atividade e constantemente verificados para manter a integridade da rede.

Com mais de 70 grupos segmentados por tema – análise de dados, investigação financeira, investigação de drogas e muito mais – o INTEGRA funciona como um verdadeiro centro de excelência distribuído, em que cada membro é, ao mesmo tempo, aluno(a) e professor(a), pois a estrutura é horizontal e colaborativa. Ali, os grandes especialistas de nossas instituições encontram um espaço para compartilharem sua expertise e adquirir novas ferramentas para o dia a dia policial.

Além do compartilhamento, o INTEGRA tem como uma de suas diretrizes o fortalecimento da cooperação intraestadual, aproximando profissionais de diferentes regiões e departamentos dentro de um mesmo estado, e, com isso, colegas que atuavam em esferas paralelas passaram a colaborar com mais frequência e fluidez a partir do vínculo construído ali.

O processo de ingresso é criterioso e conduzido pela equipe de contrainteligência, composta por alguns dos profissionais mais experientes e respeitados de diferentes estados e instituições. Cada solicitação é cuidadosamente analisada por meio de verificação em fontes abertas e checagens cruzadas com colegas da própria rede, garantindo que apenas candidatos alinhados aos princípios éticos e à missão do INTEGRA sejam admitidos. Nossa equipe é múltipla e é um dos grandes pilares do projeto, e, além de auxiliar na análise dos candidatos, também auxiliam no monitoramento contínuo dos grupos e na rápida intervenção caso alguma conduta suspeita seja identificada. A seriedade com que a segurança interna é tratada tem sido um diferencial, e foi fundamental para a construção da credibilidade do Projeto INTEGRA.

Para manter a integridade da rede, também são feitos lembretes periódicos sobre boas práticas de segurança da informação a todos os membros, orientando sobre como agir com relação a dados sensíveis, respeito aos limites legais e a prevenção de vazamentos. A proteção da informação não é apenas uma diretriz: é um valor e um compromisso de todos e todas ali envolvidos.

DA CONEXÃO À TRANSFORMAÇÃO

Mas o que o INTEGRA realmente entrega?

Em primeiro lugar, entregamos agilidade. Informações que antes levariam semanas (ou até meses) para circular entre estados agora são compartilhadas em minutos. Isso tem se traduzido em resultados concretos: dezenas de operações bem-sucedidas, prisões de foragidos, desmantelamento de quadrilhas interestaduais – tudo isso surgindo ali, com as interações dos membros.

Além disso, consolidou-se como um centro de capacitação contínua. Já foram realizados mais de 50 eventos, dentre eles treinamentos com apoio de big techs mundiais, além dos que envolveram os próprios membros para compartilharem algum conhecimento técnico específico que tenham e que possa ser partilhado. Foram feitas desde demonstrações de ferramentas investigativas a treinamentos para identificação de bebidas falsificadas – e tudo isso a custo zero.

Até agora, o Projeto funcionou com um orçamento reduzido. Os custos têm sido cobertos por doações voluntárias dos próprios membros – geralmente de valores entre R$10 e R$50 mensais – somando cerca de R$1.500 por mês. Em troca, são promovidos sorteios de livros e bolsas de estudo. A ideia nunca foi lucrar, mas manter viva uma estrutura que já se mostrou indispensável.

Ao demonstrar que a integração, quando feita com seriedade e responsabilidade, gera resultados reais, o INTEGRA tem conquistado o respeito de autoridades, empresas e organizações acadêmicas. A recém-formalização do projeto como uma associação civil, com CNPJ próprio, marca o início de uma nova fase. Ao efetuar seu registro, foi preciso constatar: já não se trata mais de um Projeto – dizer isso é muito pouco. E, agora, somos o Fórum INTEGRA.

Essa rede é construída e mantida diariamente por centenas de profissionais que, mesmo diante das dificuldades cotidianas da segurança pública, encontram em nossa comunidade um espaço seguro para trocar experiências, buscar ajuda, oferecer apoio e aprender constantemente. É uma comunidade feita de confiança, na qual a regra é pegar o que precisa e compartilhar o que se tem. Ali, o apoio mútuo silencioso transforma colegas em aliados confiáveis.

O Fórum INTEGRA é, acima de tudo, um lembrete e um exemplo de que é possível transformar a segurança pública por dentro, com inteligência, colaboração e integridade. É possível fazer mais, mesmo com menos. É possível inovar, mesmo com ferramentas simples, desde que se tenha propósito. E que nenhuma tecnologia, por mais avançada que seja, substitui a força de uma rede construída sobre valores sólidos.

Ao olhar para o futuro, o Fórum INTEGRA se prepara para voos ainda maiores, mas sem nunca esquecer de suas raízes: uma revolução silenciosa, feita por quem acredita que colaborar é sempre mais eficaz do que competir – porque, no fim das contas, segurança pública não se faz sozinho, se faz em rede.

Maiores informações sobre o Fórum Integra podem ser obtidas pelo link: https://www.forumintegra.org/

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