Perícia em evidência 17/08/2022

Perícia em obras de arte: estelionato, roubo de mais de R$ 750 milhões

Caso recente atesta que ainda temos muito o que evoluir ao lidar com obras de arte. Vídeos mostraram o momento em que quadros valiosíssimos abarrotavam os porta-malas de viaturas sem qualquer cuidado, desprezando-se qualquer protocolo

Compartilhe

Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Junte os seguintes ingredientes: uma vítima idosa, herdeira de uma verdadeira fortuna em obras de arte e joias; uma filha disposta a saquear esse patrimônio; duas “videntes” e estelionatárias com diversos boletins de ocorrência registrados contra elas; outros comparsas que cediam suas contas bancárias para recebimento de transferências monetárias. O cenário? Copacabana, cidade do Rio de Janeiro. Pronto, faltam apenas detalhes desse enredo para que a trama se transforme num sucesso policial.

A versão real desse script virou notícia na semana passada, quando a mídia divulgou o caso envolvendo uma mulher, identificada como Sabine Boghici, filha de Jean Boghici, um grande colecionador e negociante de artes romeno, morto em 2015. Sabine foi presa na Zona Sul do Rio de Janeiro no último dia 10 de agosto, acusada de um golpe milionário contra a própria mãe, uma idosa de 82 anos, Geneviève Boghici, viúva do colecionador de arte romeno.

O crime envolve pagamentos mediante extorsão e o roubo de quadros valiosos, dentre os quais obras de Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti, além de joias, alcançando um valor estimado em R$ 725 milhões. Durante dois anos, a filha, as duas mulheres que se apresentavam como “videntes” e outros envolvidos enganaram e ameaçaram a idosa, que chegou a ficar retida em sua própria residência sem poder sair ou receber visitas.

Segundo as informações divulgadas, teriam sido roubadas ao todo 16 obras de arte. Três dessas obras, avaliadas em mais de R$ 300 milhões, foram recuperadas em uma galeria de arte de São Paulo. Para incrementar ainda mais o enredo, o dono do estabelecimento confirmou à polícia que vendeu outros dois quadros para o Museu de Arte Latino-Americano e disse não ter desconfiado do golpe por conhecer a família.

A incrível história desse caso nos inspira a falarmos sobre uma modalidade especial de exame pericial: a perícia de obras de arte.

Até pouco tempo quase nada se falava desse tipo de perícia no Brasil, isto, em parte devido à baixa demanda por essa modalidade de exame. Ocorre que, quando obras de arte são envolvidas em delitos, fraudes e fatos supostamente criminosos, passam a ser objeto de análise envolvendo vários tipos de perícias, dentre as quais:

  • Perícia de avaliação de obras de arte: exames que têm como objetivo apresentar o valor de mercado de uma obra de arte;
  • Perícia de autenticidade de obra de arte: exame interrelacionado ao de avaliação, uma vez que, para avaliar é preciso antes ter certeza de que se trata de obra autêntica. A autenticidade pode envolver, dentre outros exames, o grafoscópico, da assinatura do suposto autor grafada na obra.

A busca da autenticidade de uma obra sempre foi um grande desafio. Como, em geral, ficava relegada a “experts” em arte, envolvidos em certificar obras para galerias, colecionadores e demais interessados, a demanda criminal muitas vezes deixava de ser atendida quando era direcionada para órgãos de perícia. Ocorre que cada vez mais as obras de arte passaram a fazer parte de processos nos quais serviram como ativo financeiro para a conhecida prática de “lavagem de dinheiro”. Foi assim com a operação Lava a Jato, que apreendeu diversas obras de arte que demandaram atestados de autenticidade e avaliações.

Exames em obras de arte podem envolver técnicas que incluem registros com fontes de luzes especiais (infravermelho, raios x, ultravioleta, dentre outras), exames de materiais empregados nas telas de quadros, análises químicas de pigmentos, além de verdadeira investigação da “história” de uma obra, desde a sua produção por um artista, passando por toda uma cadeia de comercialização, certificados e demais documentos que possam servir para atestar a sua procedência.

No Brasil, a Polícia Federal tem investido nessa área e buscado adquirir equipamentos, além de capacitar peritos para atuarem nesses tipos de exames. O estado do Rio de Janeiro também está na vanguarda, através de um núcleo especializado de peritos, que, em parceria com universidades, vem apresentando resultados muito interessantes.

O caso recente também mostrou que ainda temos muito o que superar em termos de uma sonhada excelência. Vídeos e fotos postados em redes sociais mostravam o momento em que se realizava a apreensão de quadros valiosíssimos abarrotando porta-malas de viaturas e ali literalmente empurrados sem qualquer cuidado, desprezando-se por completo todo e qualquer protocolo relativo à Cadeia de Custódia da Prova.

A nossa evolução em termos desse tipo de perícia passa, necessariamente, pelo envolvimento de todos aqueles que de alguma forma participem do processo que envolve a apreensão, transporte, acondicionamento e exames propriamente ditos. É o que queremos para o futuro.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES