Mercado de armas no Distrito Federal a partir das apreensões realizadas pelas polícias
Levantamento aponta que locais onde mais se apreendem armas de fogo, nas mais variadas naturezas criminais, são justamente aqueles onde mais ocorrem crimes com armas na capital federal
Alexandre Pereira da Rocha
Doutor em Ciências Sociais. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O mercado de armas de fogo é difícil de ser analisado, pois, além das armas registradas, há as armas ilegais. Não obstante, esses dois universos não são excludentes; ao contrário, há evidências de que boa parte das armas ilegais venha justamente de armas regularmente registradas. Ademais, não é tarefa fácil saber quantas armas de fogo estão em circulação numa dada região. Todavia, de uma forma aproximada, é possível vislumbrar a dinâmica do mercado de armas pela quantidade de apreensões realizadas pelas polícias. Por exemplo, em cinco anos (2017 a 2021) foram apreendidas 8.377 armas de fogo no Distrito Federal; o que essa quantidade de armas pode indicar sobre o mercado de armas na Capital Federal?
Fonte: DATE/DGI/PCDF
Nesse sentido, vale ressaltar recente estudo do Instituto Sou da Paz, o qual demonstrou que, no estado de São Paulo, entre 2011 e 2020, mais de 33 mil armas saíram das mãos de civis, empresas, instituições públicas e agentes de segurança para alimentar a criminalidade; ademais, que sete em cada dez armas que vão parar nas mãos de criminosos foram compradas, anteriormente e de forma legal, por pessoas brancas” [1]. O referido levantamento traz evidências consistentes da relação de armas de fogo legais abastecendo o mercado ilegal; bem como contribuindo para o acirramento da criminalidade em São Paulo.
No caso do Distrito Federal, a amostra de armas apreendidas demonstra que as apreensões tiveram queda até 2019 e uma retomada em seguida, com alta de aproximadamente 13% de armas apreendidas em 2020. No período, houve recuo dos indicadores de criminalidade da Capital Federal, em boa parte por conta da pandemia de covid-19; por exemplo: 10% dos crimes violentos letais e intencionais e 33% dos crimes contra o patrimônio. Note-se que, enquanto parte da criminalidade teve queda, a quantidade de armas apreendidas teve elevação. Como a maioria das armas apreendidas pelas polícias é oriunda de fatos criminosos, sugere-se que a criminalidade permaneceu ativa, mesmo em tempo de restrições da pandemia da covid-19, bem como muito mais armada.
Ao observar a amostra de armas apreendidas, pela descrição do tipo de arma, verifica-se que 52% e 32% são dos tipos revólver e pistola, respectivamente. Ou seja, 85% das armas são de fácil condução, simplesmente por um coldre. Ademais, em geral, são armas permitidas, aproximadamente 82%, e de origem nacional, por volta de 69%. Nota-se, portanto, a predominância de armas de cano curto, originárias do mercado nacional e de calibre permitido. Provavelmente também essas sejam as características do mercado de armas ilegal na Capital Federal.
Fonte: DATE/DGI/PCDF OBS: Considerando o total de 8.377 armas apreendidas. As informações sobre tipo de uso permitido/restrito são de responsabilidade da DAME/PCDF, ao cadastrar e analisar o material apreendido. No campo “não definido” entram armas diversas, com partes danificadas, artesanais e outras não condizentes com as regulamentações dos órgãos competentes. Destaca-se que a classificação de uso permitido/restrito sofreu alterações com PORTARIA Nº 1.222 DE 12 DE AGOSTO DE 2019
Em relação ao calibre das armas, por tipo revólver, tem-se que há predomínio do calibre 380, com 68% dos casos. Em seguida, vem o calibre 32, com 20%. A quantidade geral de revólveres apreendidos tem diminuído, sendo que, de 2017 a 2021, a redução foi de 40%. Por sua vez, por tipo pistola, também prevalece o calibre 380, com 37%. Em seguida, apresenta-se o calibre .40, com 25%. Note-se que, pelos registros da PCDF, não é possível saber se essas armas estavam regulares, mas apenas as características físicas delas. Todavia, a maioria delas está relacionada a algum evento criminoso nas mais variadas situações, desde incidentes de trânsito até homicídios.
Destaca-se que, embora o revólver seja apreendido em maior quantidade, há a tendência de crescimento das apreensões de pistolas a partir de 2019. Assim, em 2019, para cada pistola apreendida, eram apreendidos dois revólveres; já em 2021 a relação é praticamente de uma pistola para cada revólver. Ademais, a variação de 2020-2021, demonstra que, enquanto a apreensão de revólver teve redução de 8%, a de pistola teve alta de 18%. Adverte-se que, apesar de ambas as citadas armas serem perigosas, as pistolas apresentam maior capacidade de armazenamento e reabastecimento de munição.
Convém ressaltar o aumento da apreensão de pistolas, sobretudo as com calibre 9 mm. Em 2017 foram apreendidas 71 pistolas 9 mm, já em 2021 a quantidade passou para 247, o que representa alta de 248%. Essa situação ocorreu a partir de 2019, período que corresponde ao da liberação do calibre 9 mm como permitido, conforme Portaria Nº 1.222 de 12 de agosto de 2019. Com efeito, até a edição da referida portaria, tinham sido apreendidas 155 pistolas com calibre 9 mm; já posteriormente, a quantidade saltou para 369 apreensões, isto é, alta de 138%.
Além da alta de apreensões de armas de fogo, especialmente nos últimos dois anos, destaca-se que há evidência da relação da presença de armas com a criminalidade. Por conseguinte, ao se analisar os crimes que tiveram como meio empregado arma de fogo, entre 2017 e 2021, verifica-se que há correlação positiva e forte entre os locais de apreensões de armas e as regiões de maiores incidências de crimes cometidos com armas. Isso sugere que os locais onde mais se apreendem armas de fogo, nas mais variadas naturezas criminais, são justamente aqueles onde mais ocorrem crimes com armas.
Enfim, tomando as apreensões de armas de fogo operadas pelas polícias com forma de visualizar o mercado de armas, no Distrito Federal, constata-se a migração do uso de revólveres para pistolas, sobretudo para pistolas de calibre 9 mm. Ou seja, um campo com armas mais ágeis e com alto poder de fogo. Essa situação tem se intensificado a partir da política de afrouxamento para aquisição de armas de fogo impostas pelo governo Bolsonaro. Diante desse cenário, a tendência é haver na Capital Federal uma sociedade mais armada; porém, nem por isso mais segura. Ademais, um horizonte mais fácil para a criminalidade adquirir armamentos, logo ali, na casa de mais um cidadão de bem.