A cor da questão 03/09/2025

Eusébios e os plot twists brasileiros

Reflexões a respeito de uma lei "para inglês ver" e das expectativas que se concentram no STF

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Juliana Brandão

Doutora em Direitos Humanos pela USP e pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Eusébio de Queiroz, à época ministro da Justiça, foi o autor da Lei 581, que ganhou seu nome e agora em setembro completa 175 anos. Na sua ementa, é anunciada como proposição central o  estabelecimento de medidas para reprimir o tráfico negro no país. No entanto, nos bastidores, um dos principais motivos dessa legislação foram as relações comerciais com a Inglaterra, bem como a imagem de um império que queria se ver e ser visto no mesmo grupo das demais nações “civilizadas” e “soberanas”.

É certo que não basta a caneta para mudar os rumos das estruturas. Nesse contexto é só termos em conta que, formalmente, a abolição da escravatura só viria quase quatro décadas após a proibição do tráfico de escravizados. Além disso, os efeitos deletérios de um país forjado na desigualdade racial persistem até os dias atuais, com um processo inconcluso de cidadania para a população negra.

Nesse movimento tivemos então decisões pragmáticas, em um contexto político que culminaram em mais uma “lei pra inglês ver”. Como consequência, ela acabou por alimentar o tráfico interno, que nutria as fazendas de café, entre Rio de Janeiro e São Paulo. Um  imperativo de mercado foi satisfeito às custas do capital humano.

Ali a potencial reviravolta nas estruturas foi apenas cosmética. Embora a historiografia em torno desse momento também registre uma leitura crítica dessa ação governamental, persiste igualmente a visão de Eusébio como bom moço.

Nessa semana, (re) vivemos também dias de intensa movimentação política. A investida contra os poderes constituídos, numa tentativa de golpear os pilares democráticos, está sub judice. E, enquanto temos os olhos voltados para o julgamento de ex-integrantes do governo brasileiro, junto ao Tribunal de cúpula do Judiciário nacional, colocamos em pauta nossa capacidade de fazer valer as previsões normativas em vigor. Quiçá estejamos diante de uma possibilidade ímpar para testar nossa fluidez em lidar com plot twists.

Longe de ser uma unanimidade, o STF concentra agora grandes expectativas. Paradoxalmente, a grande reviravolta vai ser vermos prosperar o devido processo legal, com a apuração e imputação de responsabilidade a todos os réus. Isso porque a arena judicial tem sido palco que tem naturalizado a seletividade penal. Vemos aí a chancela do racismo institucional, que faz a balança da justiça facilmente se desequilibrar frente às vulnerabilidades de raça.

Eusébios e boas intenções temos de sobra na trajetória político institucional brasileira. Já passa do tempo de assumirmos projetos coletivos que, centrados na isonomia, façam valer a aplicação justa da lei, sem discriminações e sem privilégios.

 

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