Múltiplas Vozes 28/02/2024

Envelhecimento da população e desafios para as forças de segurança pública

É provável que o fenômeno do envelhecimento dos brasileiros venha a impactar cada vez mais as atividades das polícias. Compete aos governantes promover ajustes a fim de que elas possam assegurar atendimentos especializados, individualizados e prioritários aos idosos

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Alexandre Pereira da Rocha

Doutor em Ciências Sociais. Policial Civil do Distrito Federal. Associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A população brasileira está em processo de envelhecimento. No Censo 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou-se que a população idosa com 60 anos ou mais de idade alcançou a margem de 15,6% do total, enquanto em 2010 era de 10,8%[1]. Particularmente para o Distrito Federal, o Censo 2022 apontou que a população idosa corresponde a 8,8% do total, embora tenha subido mais do que a média nacional, praticamente dobrando desde 2012[2]. Mas o que o aumento da população idosa tem a ver com as forças de segurança pública?

O fenômeno do envelhecimento da população brasileira tem deixado em alerta diversos setores do poder público, visto que isso tende a tensionar os serviços públicos, sobretudo os sistemas de saúde e previdência. Além disso, ressalta-se que a condição da pessoa idosa solicita a prestação de serviços cada vez mais especializados e prioritários, o que tem exigido do poder público adaptações para a garantia dos direitos dos idosos. Diante disso, qual poderia ser o impacto para a segurança pública e para as polícias em suas funções preventivas e repressivas?

Dados do Distrito Federal sobre pessoas idosas vítimas de crimes, conforme levantamento da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), indicam a dimensão do desafio. Na Capital Federal, entre 2015 e 2023, a quantidade de boletins de ocorrências com vítimas idosas aumentou em 68,5%. Ademais, a proporção de vítimas idosas em relação ao total de registros saltou de 6,6%, em 2015, para 9,9% em 2023. Ao se considerar a faixa etária das vítimas, no recorte de 2023, pessoas idosas corresponderam a 9,2% do total das vítimas, superando faixas etárias da população em idade ativa, por exemplo, 46 a 50 anos, que teve 8,1% das vítimas. De forma desagregada, as idades das vítimas idosas em 2023, por faixa etária, são: 45,0% entre 60 e 65 anos; 25,0% entre 66 a 70 anos; 16,0% entre 71 a 75 anos; 14,0% acima de 76 anos. Nota-se que, acima de 65 anos de idade, equivale a mais da metade do conjunto das vítimas idosas.

Destaca-se que, dos dados de boletins catalogados em 2023 pela PCDF, o crime mais frequente contra idosos foi o estelionato, com incidência de 22,1% dos eventos. Esse fato é curioso, visto que, do total de vítimas de estelionato daquele ano, as vítimas idosas corresponderam a 15,0%, o que demonstra que os idosos compõem um grupo preferencial para os perpetradores de golpes. Além de tudo, observa-se que aproximadamente 33,0% dos estelionatos contra idosos se deram pela internet, o que aponta a vulnerabilidade desse público no mundo digital.

O levantamento de boletins de ocorrência evidencia os riscos de idosos serem vítimas de crime na Capital Federal. Nesse sentido, confrontando-se dados do Censo de 2022 com os dos boletins de ocorrência nota-se que, na faixa etária de 60 a 65 anos das vítimas idosas, a qual concentra a maior quantidade de pessoas, a taxa de crimes por 100 mil habitantes é 9,6[3]. Para efeito comparativo, com outra faixa etária de população mais jovem, entre 25 e 30, a taxa deste grupo foi de 10,9. Ou seja, a probabilidade de pessoas entre 60 e 65 anos serem vítimas de crimes é praticamente a mesma da população jovem de 25 a 30 anos.

O crescimento da população idosa acarreta desafios às forças de segurança pública, sobremodo no que compete ao sistema de garantias previstos no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003). Por exemplo, particularmente para as polícias civis o estatuto estabelece que a autoridade policial será notificada obrigatoriamente pelos serviços de saúde públicos e privados em casos de violência praticada contra pessoas idosas, e os crimes previstos nessa legislação exigem instauração de ofício. Ainda que a maioria dos delitos cometidos contra os idosos não seja os tipificados no estatuto, a disposição é que as forças de segurança pública recebam mais ocorrências que careçam de tratamento prioritário.

O levantamento da PCDF a partir de boletins de ocorrência, embora não represente a realidade da vitimização na Capital Federal, constitui-se numa ilustração de como o grupo dos idosos está sujeito à violência e o quanto isso já demanda as forças de segurança pública. Portanto, é provável que o fenômeno do envelhecimento dos brasileiros impactará cada vez mais as atividades das polícias, e compete aos governantes promover ajustes a fim de que elas possam assegurar atendimentos especializados, individualizados e prioritários aos idosos. Caso contrário, as corporações serão outra barreira para realização dos direitos das pessoas idosas.

 

[1] Censo 2022: número de pessoas com 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% em 12 anos. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos#:~:text=O%20%C3%ADndice%20de%20envelhecimento%20chegou,de%200%20a%2014%20anos.
[2] População idosa no DF dobra em apenas 13 anos, revela Censo 2022 do IBGE https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/10/5138312-populacao-idosa-no-df-dobra-em-apenas-13-anos-revela-censo-2022-do-ibge.html
[3] Censo 2022. IBGE. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/df/panorama

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