Francis Albert Cotta
Pedagogo, especialista em Metodologia de Ensino, Mestre em Educação, com pós-doutorado em Educação (UFMG). Oficial da PMMG a atuar como educador e gestor educacional na Academia de Polícia Militar do Prado Mineiro
As academias de polícia são, por excelência, locus privilegiados para a construção e compartilhamento de saberes e fazeres da atividade policial. Elas funcionam como catalisadoras de saberes experienciais e práticas educativas de gerações de profissionais que possuem formação técnica e vivências. Nelas, são tecidas e ajustadas as tramas que constituem a vestimenta de jovens policiais, em início de suas carreiras, bem como daqueles mais experientes que a elas retornam para se aprimorarem. É um espaço educacional simbólico, prático e de encontro de gerações.
As teias de significados atribuídos pelos docentes e discentes impactam os processos formativos e a educação continuada nas academias. A cultura educativa policial possui especificidades e se sustenta ao mesmo tempo numa dinâmica complexa. Etimologicamente, complexus é o que é tecido junto. Há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo. Para se formar um policial para além da techné, que se localiza na dimensão do conhecimento prático, é necessário compreender as epistemes presentes nos campos das ciências sociais, econômicas, políticas, históricas, psicológicas, entre outras. Apresenta-se, assim, a urdidura de um tecido interdependente, interativo e interretroativo. A natureza da atividade e da educação policial exigem um pensamento complexo e metodologias ativas de ensino-aprendizagem.
As metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem são técnicas pedagógicas utilizadas nas academias de polícia em virtude do tipo de serviço prestado pelos egressos. A metodologia ativa parte de uma problematização da realidade; exige a participação em equipe; utiliza tecnologias da informação e da comunicação e um educador que, por sua experiência e conhecimento, é um mediador e facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Tradicionalmente, componentes curriculares como técnica policial e defesa pessoal policial utilizam as metodologias ativas. Essa dinâmica pode ser aplicada para outros tipos de saberes necessários à atividade policial.
Para além de serem operadores de segurança pública, os policiais necessitam de competências em outras dimensões. O policial deve ser um analista e intérprete de fenômenos criminais, sempre com base em evidências científicas. Esses conhecimentos possibilitam ampliar as ações preventivas e a repressão qualificada no exercício do mandato policial em prol da segurança pública.
Um componente curricular que contribui para a formação e aprimoramento do pensamento científico do policial é a Metodologia da Pesquisa. Tradicionalmente, ele é ministrado de forma expositiva ou por meio de aula expositiva dialogada, essa com a participação mais ativa dos educandos. Entretanto, essa dinâmica ocorre na sala de aula, de maneira formal.
Uma experiência pedagógica recente, realizada por seis meses na Academia de Polícia Militar do Prado Mineiro, em Belo Horizonte, Minas Gerais, em duas turmas compostas por 60 cadetes do Curso de Formação de Oficiais, confirma empiricamente a efetividade dos métodos e técnicas ancoradas nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Ela foi desenvolvida por meio de observação participante com relatos em diário de campo.
No primeiro dia de aula, o professor apresentou o plano de ensino de Metodologia de Pesquisa. O plano é um documento didático, pedagógico e administrativo que contém a ementa, objetivos, conteúdo programático, metodologia de ensino e bibliografia que contempla o projeto pedagógico do curso. Nesse mesmo encontro, foram disponibilizados todos os materiais didáticos para consulta dos estudantes.
Nos encontros subsequentes foram apresentados desafios relacionados à elaboração progressiva da estrutura de um projeto de pesquisa, a saber: uma introdução composta por contextualização, delimitação do tema, objeto de pesquisa, problema, hipótese, objetivos e justificativa; referencial teórico; metodologia de pesquisa; cronograma e referências.
Foram utilizados princípios da Andragogia (do grego: andros – adultos e gogos – educar), a educação de adultos. O adulto necessita de diferentes estímulos e participa ativamente dos percursos e estratégias educacionais que o levarão a aprender.
Tendo como base uma metodologia ativa, os cadetes saíram da sala de aula e se deslocaram para a biblioteca da academia, cada qual a portar seu computador, tablet, telefone celular e caderno. Nesse ambiente, os bibliotecários se colocavam à disposição para auxiliar nas buscas em bases bibliográficas, que eram realizadas de acordo com o desafio proposto para o encontro. Os cadetes foram agrupados em trios para que desenvolvessem competências relacionadas ao trabalho colaborativo, com foco na tarefa e nas entregas a serem feitas.
O amplo e irrestrito acesso aos meios de consulta em sistemas informatizados, a forma colaborativa, focada em tarefas e realizada em equipe, reproduziram o ambiente profissional com o qual o policial irá se deparar após a conclusão do curso. Os desafios propostos pelo educador e por ele acompanhados exigiram dos educandos a busca de determinados saberes. Um processo no qual estavam presentes as três dimensões do conhecimento: cognitiva, operativa e atitudinal.
Diante das entregas a serem realizadas, os cadetes perceberam os motivos para aprender e como instrumentalizar os conteúdos. O comportamento autônomo, independente e responsável possibilitou o acesso a ferramentas tecnológicas, sem restrição e controle por parte do professor. Os resultados positivos apresentados (projetos avaliados com notas de excelência) sugerem que mesmo diante de componentes curriculares tradicionalmente teóricos é possível desenvolver metodologias ativas de ensino-aprendizagem.