Guaracy Mingardi
Analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Quatro eventos distintos ocorridos nos últimos 20 dias mostram como mesmo as áreas mais urbanizadas de São Paulo estão cada vez mais inseguras. A mais evidente, e que foi um dos principais assuntos das pessoas que vivem no centro paulistano, foram os arrastões ocorridos durante os desfiles dos blocos carnavalescos na região da Praça da República. Inúmeras pessoas foram vítimas, e muitas daquelas com as quais conversei revelaram que não deram, nem dariam queixa, porque é “inútil”. Eu mesmo testemunhei dois deles, um no sábado e outro no domingo de Carnaval. Aliás, numa dessas ocasiões vi um grupo de cinco ou seis policiais parados, conversando, a menos de um quarteirão do arrastão.
Participei, pelo menos em parte, do segundo evento. Foi no sábado após o Carnaval, na saída do Shopping Tatuapé, situado num dos melhores bairros da zona leste. Eu saía do cinema cerca de onze e meia da noite, quando fui abordado por uma garota, aparentando uns 18 anos, que pedia ajuda por ter sido furtado seu celular. Logo atrás dela vieram dois indivíduos, que ficaram parados perto, fingindo estarem ali à toa, quase assobiando para disfarçar. Quando dei por conta disso, perguntei a ela se desconfiava deles. Ela disse que sim, que a tinham abordado e chegado a encostar nela. A partir disso comecei um bate-boca com um deles que, é claro, negou tudo. Como não posso sair por aí revistando as pessoas, peguei a garota pelo braço e uns metros depois parei uma viatura da PM. Ela contou o que houve e os policiais falaram que iriam ao local abordar os dois sujeitos. Eu até me ofereci para ir junto e mostrar. Mas eles disseram que não precisava.
Depois disso acompanhei a menina até um posto policial próximo, onde ela foi atendida, aliás muito bem, pelos dois PMs. Deixei ela lá registrando o fato pela internet, voltei para a entrada do shopping onde, evidentemente, os dois ladrões tinham partido. E uma vendedora ambulante, testemunha dos fatos, e que trabalha no local, disse “os dois vagabundos vazaram um pouco depois de você sair”. Quando perguntei se a PM tinha ido para lá, ela riu e disse que não, e que isso acontecia todo dia e que a polícia nem ligava. No táxi em que voltei para casa, cujo ponto fica a poucos metros, a taxista confirmou o que disse a vendedora.
O terceiro evento, mais recente, foi o roubo de celular sofrido pelo porteiro de meu prédio, às seis e meia da manhã, na rua Rego Freitas. Além de muito nervoso, ele mostrou as marcas roxas que os ladrões deixaram em seu braço quando tentou reagir. Ou seja, não foi uma ação tão rápida. O agravante é que ele já é um idoso, que mesmo assim tem de trabalhar para se sustentar. E vinha para o trabalho.
O último evento foi o cartaz colocado na Pinacoteca Paulista com os seguintes dizeres: “Não use seu celular aqui”. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, foi colocado numa tentativa de advertir os visitantes sobre os possíveis roubos e furtos que vêm ocorrendo. Isso num prédio público, a cerca de 600 metros do comando da PM.
Quatro eventos que se somam a uma multidão de que não tomei conhecimento e que levaram a comentários em vários sites sobre o risco de sair às ruas no carnaval paulistano. A pergunta que não quer calar é: o que está sendo feito para modificar essa situação? Algo de útil ou apenas enrolação por parte da secretaria de Segurança e das polícias?
O problema da insegurança no centro tem se agravado nos últimos anos, e só deu um respiro durante a pandemia. Mas agora parece que voltou a crescer. Em janeiro de 2020[1], portanto antes da reclusão provocada pela Covid, tivemos no 3º distrito policial da capital, área onde fica a Praça da República, 587 roubos. Neste ano foram 687, exatamente cem a mais. Ou seja, um incremento de 17%. Os furtos registrados, por outro lado, diminuíram de 1405 para 1070, diminuição de mais de 20%. “Ufa!”, dirão os otimistas, “então não está tão ruim!”
Papo furado! Isso apenas significa que menos pessoas registraram as ocorrências de furto, que são cada vez mais subnotificadas. Ainda mais o de celular, que a maioria acha perda de tempo. Vai levar o BO pra casa e fazer o que com ele? Só adianta para quem tem seguro do aparelho. Todos sabem que recuperá-lo é quase impossível. Já a porcentagem de denúncias de roubo é maior, pois, como a vítima foi agredida ou ameaçada, está mais disposta a tentar qualquer coisa para retaliar. E o aumento dos roubos tem dois significados sombrios: ou existem mais ladrões especializados em atos violentos ou alguns são criminosos que evoluíram para essa modalidade mais perigosa.
E os principais produtos preferidos por esses ladrões são, como não podia deixar de ser, os celulares e os objetos de ouro. Correntinhas, na maioria. Há muitas quadrilhas especializadas na compra e revenda de celular para pequenas e médias lojas, enquanto o ouro está novamente em alta, o que pode ser notado através do aumento de lojas especializadas em compra e venda do produto. Qualquer um pode notar isso apenas caminhando no centro paulistano.
Sobre as providências para controlar, ou tentar controlar, essa crise de segurança falaremos em outra oportunidade. Provavelmente após a secretaria de Segurança soltar as estatísticas de crimes de fevereiro, quando poderemos ver até que ponto o Carnaval virou um pesadelo para algumas pessoas.
[1] Ainda não foram publicados os números de fevereiro no site da SSSP.