Perícia em evidência 02/08/2023

“Desaparecimentos de crianças: diversos casos podem refletir a atuação de predadores!” – Parte 2.

Conhecer as características dos predadores pode nos ajudar a evitá-los e também a buscar sua justa punição

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Perito Criminal Aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor da Academia da PCDF, da Accademia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da PMDF. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. É também Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Na última coluna publicada na edição de número 192 do Fonte Segura abordamos o tema do desaparecimento de crianças, contrapondo um caso ocorrido no Distrito Federal no último dia 28 de junho. Nesta edição, conforme havíamos antecipado, falaremos sobre o tema, discutindo agora um pouco sobre o perfil do agressor e as implicações periciais.

Vamos iniciar relembrando rapidamente o caso do Distrito Federal: no dia 28/06, uma quarta-feira, 23h30min, o servidor público Daniel Moraes Bittar é preso em seu apartamento na Asa Norte. No local descobre-se um cativeiro onde estava uma menina de 12 anos encontrada algemada nos pés. A adolescente, moradora do Jardim Ingá, área periférica de Luziânia – GO, entorno do Distrito Federal, foi raptada por volta do meio-dia daquele dia quando estava próxima de sua escola. O sequestro contou com a ajuda de uma mulher, Gesielly Souza Vieira, de 23 anos, que possivelmente tenha utilizado um tecido embebido de clorofórmio para desacordar a vítima. Gesielly mantinha relação íntima com Daniel, intermediando relações entre ele e garotas de programa.

Daniel pode seguramente ser considerado um predador sexual, um estuprador, mas seu perfil poderia ainda alcançar outras denominações. Sua vida pregressa será agora objeto de extensa pesquisa. Teria ele cometido outros crimes semelhantes ou até mesmo com desfechos ainda piores? É importante lembrar que a polícia neste caso conseguiu no mesmo dia do desaparecimento da vítima acessar o cativeiro e libertar a vítima. O que não sabemos é o que poderia efetivamente ter acontecido a ela se o caso não fosse resolvido de forma tão rápida. Relatos encontrados na mídia mencionam algumas declarações da vítima prestadas nos momentos iniciais após sua libertação. Ela teria expressado que Daniel lhe dissera que faria dela uma “escrava sexual”, por pelo menos uma semana e então decidiria seu destino. Por quanto tempo ela seria então escravizada? Ele teria realmente a intenção de libertá-la viva, mesmo após um contato visual que certamente permitiria da parte da vítima um seguro reconhecimento? São perguntas em aberto, seguramente abordáveis no processo de investigação em curso.

Além das diversas perícias relacionadas ao caso e já destacadas em nossa última coluna, é de se esperar também uma profunda investigação psiquiátrica e psicológica do  agressor. De forma conjunta com outros desdobramentos da investigação que vai apurar se ele teve participação em outros crimes, bem como a possibilidade de seu envolvimento em alguma rede de pedofilia, seu perfil deverá ser dissecado.

Seria ele efetivamente um agressor sexual em série?

Quanto ao crime de estupro, embora não se tenham divulgado os exames da vítima realizados no IML, a simples informação já divulgada na mídia indica que o agressor teria cometido estupro de vulnerável (menor de 14 anos), mediante minimamente a perpetração de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Tecnicamente, independente da comprovação de uma conjunção carnal, o agressor já seria enquadrado no crime de estupro. Importa lembrar que a adolescente ficou 11 horas em poder de seu sequestrador. O caso em questão não permite imaginar para o crime uma motivação que não seja sexual.

Na literatura, estudos psiquiátricos buscam propor classificações de perfis básicos de estupradores ou agressores sexuais, baseadas em suas motivações. A mais consagrada apresenta quatro tipos de perfis, sendo atribuída a Conklin[1] (1992):

  1. Agressor Compensador: sente-se inadequado e é obcecado por fantasias sexuais;
  2. Agressor Explorador: a agressão resulta de um ímpeto explorador, ou seja, o comportamento é um ato impulsivo e predatório;
  3. Agressor Raivoso: utiliza a violação como forma de expressar sua raiva, fúria e frustrações;
  4. Agressor Sádico: a excitação sexual está interrelacionada com seus ímpetos agressivos e violentos. Neste caso, quanto maior a excitação, mais violenta pode ser a ação, resultando inclusive na morte da vítima.

Mas pensando no caso noticiado, o que se sabe sobre o homem detido e acusado como raptor e estuprador?

  • Servidor público, com 42 anos, não levantava suspeitas onde morava, na Asa Norte. Considerado calado e introspectivo, o analista de TI trabalhava no Banco de Brasília (BRB), desde 2015, como servidor concursado;
  • Chegou a divulgar em seu perfil nas redes, poesias que escrevia, compartilhando uma rotina assídua de leitura, publicando inclusive um livro de contos com o título Quando o amor bate à porta;
  • Pai de uma menina cuja idade não foi divulgada;
  • Um comerciante que o atendia com frequência afirmou à imprensa: “Ele sempre caminhava de cabeça baixa, não falava muito com ninguém”. Já um vizinho comentou: “Muito esquisito. Não olhava no olho“. Outro vizinho o avaliou como “calmo“;
  • Uma postagem em suas redes sociais chama a atenção: dia 18/10/2022 ele compartilhou uma imagem em que aparece uma criança com a boca vedada por uma fita, o braço esticado e a mão aberta. Na foto, há a frase: “pedofilia é crime, denuncie“;
  • Em seu apartamento foram encontrados, dentre outros: uma garrafa de clorofórmio, duas máquinas de choque, uma fita adesiva, além de medicamentos, objetos sexuais, como vibradores, uma câmera fotográfica, cartões de memória, uma mala, DVDs e revistas de conteúdo pornográfico.

É claro que essas informações não permitem desvendar completamente a psique do agressor, mas constituem elementos que farão parte da análise dos laudos psicológicos e psiquiátricos que provavelmente farão parte do processo. Se pensasse na tipificação desse agressor, diria que, como mera opinião, ele pudesse se enquadrar no grupo dos agressores sádicos. Conhecer as características dos predadores pode nos ajudar a evitá-los e também a buscar sua justa punição!

[1] Conklin, J. E. (1992). Criminology. 4ª Ed. New York, N.Y: Macmillan.

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