Desaparecimentos de crianças: diversos casos podem refletir a atuação de predadores! – Parte 1
Uma das mais emblemáticas modalidades de desaparecimentos certamente é o de crianças, em especial até os 12 anos, isso porque, nesse caso, exclui-se a vontade do desaparecido em efetivar a ocorrência
Cássio Thyone Almeida de Rosa
Perito Criminal Aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor da Academia da PCDF, da Accademia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da PMDF. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. É também Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Segundo os dados divulgados em 2022 pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2017 e 2021 foram registrados por dia no Brasil 203 casos de desaparecimentos de pessoas. Somente em 2021 foram 65.225 casos, um aumento de 3,2% em relação ao ano anterior.
Certamente esta é uma estatística que incorpora o maior índice de incerteza, não apenas em relação aos números concretamente, uma vez que esse é também um dado que embute uma considerável subnotificação, mas também em relação àquilo que faria parte dessa verdadeira caixa que tudo cabe em que consiste a questão dos desaparecidos: toda sorte de casuística encontra-se aqui, dentre as quais, pessoas que desaparecem por vontade própria fugindo de familiares, vítimas de homicídios e ocultação de corpos, tráfego de pessoas, mortes naturais e acidentais, escravidão sexual, enfim, toda tipificação e motivações correlacionáveis.
Uma das mais emblemáticas modalidades de desaparecimentos certamente é o de crianças, em especial até os 12 anos, isso porque, nesse caso, exclui-se a vontade do desaparecido em efetivar a ocorrência. É o que acontece, por exemplo, no mundialmente conhecido Caso Madeleine McCann, ocorrido em 2007, quando a menina, então com três anos, foi dada como desaparecida de um apartamento em Praia da Luz, Algarve, Portugal, onde estava passando as férias com sua família britânica.
Muitos de nós nos perguntamos o que os números por trás dos desaparecimentos de crianças efetivamente representam. Falar desse tema é difícil, mas necessário. Esporadicamente somos confrontados através de casos concretos com o pior dos cenários que esses números podem revelar: raptos, estupros e mortes de crianças.
Um caso ocorrido no Distrito Federal no último dia 28 de junho ativou nossos mais assombrosos temores: o de sabermos que entre nossos semelhantes circulam verdadeiros predadores, sim, esse é o termo mais adequado para o que relatamos a seguir.
Numa quarta-feira, 23h30min, o servidor público Daniel Moraes Bittar, 42 anos, funcionário do Banco de Brasília, é preso em seu apartamento na Asa Norte. No local, um cativeiro onde uma menina de 12 anos foi encontrada algemada nas mãos e nos pés, a boca fora anteriormente vedada por fita adesiva. A criança, moradora do Jardim Ingá, área periférica de Luziânia – GO, entorno do Distrito Federal, foi raptada por volta do meio-dia daquele dia, quando estava próxima de sua escola. O sequestro contou com a ajuda de uma mulher, Gesielly Souza Vieira, de 23 anos, que possivelmente tenha utilizado um tecido embebido de clorofórmio para desacordar a vítima. Gesielly mantinha relação íntima com Daniel, intermediando relações entre ele e garotas de programa. Segundo o delegado responsável pelo caso “Ela também enviava fotos de nudez a ele em troca de ajuda financeira – entre janeiro e fevereiro deste ano ela chegou até a morar na casa dele”.
No local, farto material foi apreendido pela Polícia Militar, tanto no interior do apartamento como no veículo do suspeito, dentre os quais: material pornográfico, máquinas de choque, um rolo de fita, um galão de clorofórmio, o celular e o computador do suspeito, a mochila da vítima e seus pertences, a mala e uma coberta empregados no rapto. Vários desses objetos, aqui definidos como vestígios, apareceram em fotografias divulgadas pela mídia. Aqui cabe uma crítica: NADA deveria ter sido retirado e apreendido pela equipe que descobriu o cativeiro e resgatou a vítima. Toda a cena e os vestígios deveriam ter sido objeto de perícia ainda no local. A atitude, infelizmente ainda comum, produz a quebra da Cadeia de Custódia da Prova. Embora os objetos venham a ser periciados posteriormente, os resultados tornam-se enfraquecidos por essa inobservância dos protocolos. Importa lembrar: todo local e seus vestígios devem obrigatoriamente passar por exame pericial! No afã de resolver um caso delicado e de repercussão, profissionais esquecem-se do que lhes foi ensinado e do que, esperava-se, deveria ter sido absorvido para que assim executassem corretamente uma atividade.
Para compreendermos o alcance de algumas das perícias relacionadas ao caso:
Exame de Local e do veículo do agressor: constatação, coleta de vestígios (impressões digitais, DNA e outros), determinação da dinâmica empregada e reconstituição das ações do agressor;
Exame da vítima no IML: constatação do estupro;
Exame dos celulares dos envolvidos: extração de todas as mensagens e demais informações arquivadas;
Exames de computador do suspeito: busca de informações relacionadas ao seu Modus Operandi, investigação de envolvimento em outros casos; constatação de material pornográfico e relacionado à pedofilia;
Exames em vídeos das câmeras de segurança do condomínio onde mora o suspeito e das proximidades da escola onde a vítima foi raptada: caracterização de todas as ações passíveis de documentação que envolvam o fato.
Na próxima edição desta coluna falaremos mais sobre o tema, discutindo um pouco sobre o perfil do agressor e as implicações periciais. Para aqueles mais sensíveis, me desculpo por abordar tema tão repugnante. A natureza humana é mesmo surpreendente, e, infelizmente, para estarmos alerta é preciso lembrar que entre nós circulam, ou melhor, rastejam, agressores e predadores sexuais.