Perícia em evidência 31/07/2025

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 podem impactar a Perícia Oficial?

Um bom exame pericial pode fazer a diferença em relação a um correto enquadramento quanto à tipificação da qualificadora do feminicídio

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Este ano as estatísticas da Segurança Pública consolidadas pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP, alcançaram um universo ainda maior de dados. Uma contribuição imprescindível para pensar a violência cotidiana, a criminalidade e a forma de lidarmos com esse tema, sempre considerado nas pesquisas de opinião como uma das maiores preocupações da população. O sentimento de insegurança que permeia nossas cidades e o campo incomoda e nos faz reconhecer que temos ainda muito a avançar.

Nesta coluna, aproveitando a divulgação desses dados, vamos pensar que possíveis impactos podemos esperar na área da polícia científica. Que modalidades de exames periciais seguirão com altas demandas, quais podem ter um alívio em sua carga de trabalho. Existem tendências? Vamos pensar juntos.

Quanto aos números das mortes violentas intencionais, apesar da redução de 5,4% experimentada em 2024 em relação a 2023, continuamos com números absolutos elevados para o padrão de um país que busca ser considerado seguro. São mais de 44 mil mortes intencionais (MVI), aquelas que incluem a soma das vítimas de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora (em alguns casos, contabilizadas dentro dos homicídios dolosos). Sendo assim, a categoria MVI representa o total de vítimas de mortes violentas com intencionalidade definida de determinado território. A redução parece seguir uma tendência se observamos a série histórica. Após um recorde de mais de 64 mil mortes violentas em 2017, seguimos baixando essa estatística. Apesar disso, perícias de local de crime e as perícias médico-legais (necrópsias) seguirão sendo bastante demandadas em todo o território e em especial nas regiões nordeste e norte, respectivamente onde estão localizados estados e cidades que mais sofrem com a epidemia de violência letal.

Um importante parêntesis dentro dessa modalidade são as mortes em decorrência da intervenção policial. A perícia de local e o exame cadavérico em tais circunstâncias exigem não apenas que se cumpra a exigência dos exames, mas que se faça seguindo protocolos que definem o mínimo a ser buscado em qualidade. Eis aqui um ponto importante. Aos gestores, em especial aqueles cujas demandas diminuíram, será mais fácil voltar as atenções para um tema que anda negligenciado: a qualidade! Produção é importante, mas qualidade é essencial. Produzir laudos que apenas cumprem a obrigação mínima implica legitimar a violência e deixar de esclarecer a verdade.

Entre os crimes patrimoniais, o Anuário revelou dados muito relevantes, a migração de crimes de roubos e furtos para estelionatos digitais. E esse número imenso e continuamente crescente de crimes virtuais impõe uma demanda aos órgãos periciais cada vez maior. Setores denominados de perícia digital e perícia de informática estão sobrecarregados, e, para dificultar ainda mais, o ambiente digital não conhece fronteiras, tornando possível que criminoso e vítima possam estar a milhares de quilômetros de distância.

Como nos lembra Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do FBSP, em texto do Anuário:

Por outro lado, no entanto, a inversão aqui apontada desafia por completo a arquitetura institucional que organiza a segurança pública no Brasil, uma vez que a dinâmica criminal que a provoca extrapola limites geográficos e político-administrativos desenhados pelo pacto federativo – uma vítima de um crime digital reside em um estado, mas seus autores podem estar em qualquer outra Unidade da Federação ou, mesmo, país do mundo. Isso para não dizer que, historicamente, o policiamento ostensivo é aquele que tem merecido os maiores investimentos dos governos. E, por conseguinte, investimentos em polícia judiciária e perícias técnicas, que poderiam aumentar a eficiência da investigação criminal e reduzir a impunidade, são lateralizados e pouco priorizados.” Grifo nosso.

Aos gestores dos órgãos de perícia resta se prepararem para esse enorme desafio. O investimento na investigação pode tornar ainda maior a demanda na perícia que vai precisar acompanhar esse avanço, recebendo também recursos.

Na área dos exames balísticos, o combate às armas de fogo irregulares precisa seguir adiante. A redução do número de CACs pode representar certo alívio, mas as armas que não foram recadastradas após a exigência legal representam um desafio que pode chegar até os órgãos periciais na forma de exames eventualmente envolvendo-as em associações a crimes diversos.

No tema da violência contra a mulher, os dados referentes aos números de feminicídios e tentativas de feminicídios continuam chocantes (1.492 e 3.870 vítimas respectivamente). Isso exige das equipes de perícia uma alta demanda em relação a perícias de local e necrópsias para esse tipo de crime. A relevância de um bom exame pericial nessa modalidade pode fazer a diferença em relação a um correto enquadramento quanto à tipificação da qualificadora do feminicídio. Treinamentos e capacitação dos peritos devem estar no horizonte dos gestores das polícias técnicas.

Como discutido aqui, os números dessa estatística são importantíssimos para se pensar em políticas públicas que incluam estratégias de enfrentamento no campo dos órgãos periciais. O equilíbrio entre quantidade e qualidade dos exames periciais deve ser a palavra-chave e um mantra para os gestores!

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