Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
É natural que objetos emblemáticos nos chamem a atenção e nos aticem a curiosidade. Isso é humano demais! No caso de Jair Bolsonaro, sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicial fechado, a curiosidade foi além do processo intelectual. Em dado momento, durante sua prisão domiciliar, o ex-presidente desejou conhecer de modo, digamos, mais íntimo, o funcionamento da tornozeleira que lhe foi instalada na perna esquerda. Chamou a atenção do país a gravação em vídeo que exibe uma pessoa ligada à SEAPE-DF (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal) verificando a tornozeleira e ouvindo as declarações do próprio ex-mandatário. Bolsonaro afirma que, por mera curiosidade, tentou, com o emprego de ferro de solda, romper o equipamento, que apresentava “sinais claros e importantes de avaria“, como se verifica no documento da SEAPE. “Haviam (sic) marcas de queimadura em toda sua circunferência, no local de encaixe/fechamento do case“. Também consta que, num primeiro momento, os agentes foram informados de que o aparelho havia batido numa escada, o que foi logo descartado, já que o documento ressalta que a tornozeleira não apresentava sinais compatíveis com um possível choque (impacto). “O dispositivo violado foi então recolhido e a equipe de escolta retornou para posto de vigilância externo à residência“, diz o documento.
Na imensa casuística pericial, exames em objetos fazem parte do rol dos exames periciais. Alguns podem até questionar: mas por que é necessário fazer um exame pericial desses se todos estamos vendo e até ouvindo a confissão do autor da tentativa de violação da tornozeleira?
A resposta passa pela lembrança do que diz nosso Código de Processo Penal quanto à necessidade de realização de um exame pericial, procedimento referido nesse documento como “exame de corpo de delito”. Vejamos o que está no caput do artigo 158, originalmente assinado pelo presidente Getúlio Vargas em 1941:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (grifo do autor).
A lei, nada recente, já deixava claro que, em havendo vestígios, nem mesmo a confissão do acusado dispensaria o exame pericial. E desde então segue em vigência.
No caso da tornozeleira de Bolsonaro, serão inclusive, duas equipes distintas do Instituto Nacional de Criminalística (INC) as responsáveis pelos exames.
Uma das análises buscará identificar danos causados ao sistema eletrônico e de registros do equipamento e deve ser conduzida pelo serviço de perícias eletrônicas e audiovisuais. A outra vai analisar os danos físicos causados à tornozeleira, averiguando marcas deixadas pelo ex-presidente. Essa análise é feita pelo Laboratório de Microvestígios do Serviço de Perícias de Local de Crime, onde os peritos buscarão constatar qual instrumento deixou as marcas na tornozeleira. Caso estejam de posse do provável instrumento, os peritos poderão buscar a correspondência exata se foi aquele o empregado por Bolsonaro.
Detalhadamente, os exames podem demonstrar:
- Se houve interferência no sinal (bloqueio de GPS, por exemplo);
- Se o equipamento foi aberto, rompido ou adulterado;
- Se houve uso de algum tipo de dispositivo para enganar o monitoramento (como deixar a tornozeleira em outro lugar, tentar “blindar” o sinal etc.).
- Se o equipamento funcionou corretamente
- Se a tornozeleira estava registrando os dados corretamente (localização, horário, eventuais alertas de violação);
- Se existem falhas técnicas do aparelho que poderiam justificar algum registro “estranho” (perda de sinal, falhas de bateria etc.);
- Se houve desligamentos, remoção, mau uso;
O procedimento pode ainda:
- Reconstruir trajetos, horários e deslocamentos do usuário da tornozeleira;
- Cruzar tais informações com as medidas judiciais (por exemplo, se ele tinha limite de circulação, obrigação de permanecer em determinados locais ou outras restrições);
- Apontar se houve descumprimento das medidas de restrição ou não.
Como demonstrado, esse é um alcance e tanto para um exame pericial.
Pode ser ainda que a criatividade do ex-presidente possa continuar dando ensejo a novos exames. Em depoimento, Bolsonaro teria se referido a um “surto” para explicar os danos causados à tornozeleira. A alegação, a qual, diga-se de passagem, já é desgastada, corriqueira e oportunista, poderia levar a mais uma perícia, desta vez psiquiátrica! Haja espaço no HD desse processo!

