Mulheres e Segurança Pública 13/03/2024

Crimes contra mulheres em uma área amazônica: o caso de Porto Velho-RO

Os crimes bárbaros contra mulheres são uma forma de os homens demonstrarem a certeza de sua impunidade, apoiados indiretamente por setores da sociedade que estão assustados com as possibilidades de mudança dessa ordem desigual que nos circunscreve

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Bruno Henrique Lins Andrade*

Psicólogo e mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Rondônia. Analista educacional atuante na Equipe Multidisciplinar da Gerência de Formação Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia

Maria Ivonete Barbosa Tamboril

Doutora em Psicologia. Professora titular da Universidade Federal de Rondônia. Membra do Grupo Amazônico de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação (GAEPPE) onde coordena a linha de pesquisa a “Condição feminina na Amazônia”. Atua na área de políticas públicas com ênfase nos processos educativos e de gênero no contexto amazônico

Rondônia é um dos estados mais violentos para mulheres e sua capital, Porto Velho, é um dos lugares onde as políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres estão necessitando de urgente aperfeiçoamento. Com mais de 500 mil habitantes e pouco mais de 100 anos de instalação, o município contabilizou o assassinato de 18 mulheres em 2021.

O que explica essa posição do estado e sua capital nos crimes contra mulheres? É possível indicar certezas e sustentar algumas hipóteses.

Em nossa investigação, que contemplou 46 pesquisas publicadas em dez anos, encontramos diversas dificuldades na rede de atendimento às mulheres em situação de violência em Porto Velho. Esses entraves variam desde a falta de capacitação profissional para recebimento das mulheres nos dispositivos de proteção até a exclusão de determinadas especificidades regionais, como é o caso das mulheres indígenas e rurais, na formulação das políticas públicas.

Os estudos que levantamos e analisamos também demonstram o número elevado de casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, em que as tipificações física e psicológica, representadas sobretudo pelos crimes de ameaça e lesão corporal, são mais comuns. Aliás, diante do alto quantitativo, foi necessário que o juizado especializado da capital reorganizasse a judicialização dos casos para poder agilizar o andamento dos processos naquela instância. Desta forma, em 2023 foi inaugurada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, buscando articular a rede de enfrentamento e definir estratégias de combate ao assunto em tela.

Não obstante as ações do referido tribunal demonstrarem comprometimento com a causa das mulheres e serem reconhecidas nacionalmente, o índice de violência contra elas continua elevado na região, gerando indagações. Talvez, como foi indicado pela socióloga já falecida Heleieth Saffioti, a movimentação das mulheres em direção à busca pela igualdade de poder entre gêneros esteja mesmo instigando o uso mais impiedoso da violência por parte dos homens, pois a ideologia de gênero que reserva às mulheres o lugar submisso/subalterno não está mais sendo suficiente para perpetuar a dominação-exploração feminina.

Ainda, como bem explica a antropóloga Rita Segato, a modernidade, legitimada como discurso e transposta em práticas violentas nos mais diversos cantos do mundo, tem colaborado para piorar a situação das mulheres nos lugares aos quais foi imposta. Porto Velho, que desde sua origem tem sido palco para grandes projetos de modernização da Amazônia, pode ser considerado um exemplo desta tese. Estas pontuações ajudam a compreender que, para intervir nesse assunto complexo, é necessário não somente buscar as motivações pessoais, mas também analisar o contexto mais amplo em que se desenvolvem.

Das pesquisas que encontramos, boa parte delas busca esse olhar amplificado sobre o tema em questão. Algumas, entretanto, focam em um olhar clínico individualizante, na busca de razões inconscientes para o envolvimento com a violência. Ainda que não sejamos excludentes dessa perspectiva, acreditamos ser imprescindível destacar, dada nossa área de estudos, que os processos subjetivos são construídos em meio e a partir de relações concretas, as quais são sustentadas por um entrelaçamento de diversas teias: econômica, política, social, cultural etc.

Essa trama, como sugerimos acima, é apontada em muitos dos estudos que encontramos em nossa pesquisa. Inclusive, a maior parte deles foi realizada na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), a qual se apresentou como um local promissor na busca de respostas que possam melhorar a situação das mulheres na região porto-velhense. Entre iniciação científica, graduação e pós-graduação, essa instituição nos apresentou muitos olhares contributivos para uma leitura mais agregadora de diferentes áreas do conhecimento.

Porém, os estudos que fizeram parte de nossa revisão ainda dialogam pouco entre si, demonstrando uma fragilidade existente na articulação de conhecimentos locais. Além disso, identificamos uma lacuna quanto à perspectiva dos homens que cometem violência contra mulheres. Para combater estes casos, entendemos ser fundamental incluir a concepção deles sobre o assunto, além de implicá-los na mudança, como é feito no Projeto Abraço, realizado no juizado especializado em violência doméstica e familiar contra as mulheres de Porto Velho.

Envolver os homens e analisar seu papel neste contexto é essencial. A partir de nossa pesquisa, e citando Rita Segato outra vez, é possível concluir dizendo: no momento que estamos vivenciando, os crimes bárbaros contra mulheres são uma forma de os homens demonstrarem a certeza de sua impunidade, apoiados indiretamente por setores da sociedade que estão assustados com as possibilidades de mudança dessa ordem desigual que nos circunscreve.

Portanto, ainda há muito a fazer para que as condições de vida das mulheres façam jus às congratulações de 8 de março.

* Artigo completo disponível na Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 18, n. 1 (2024)

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