Fronteiras Amazônicas 07/08/2024

Complexidade e governança híbrida nas fronteiras amazônicas

O ponto central da ferramenta é a ideia que não se deve estabelecer uma intervenção, seja de qual natureza for, sem a compreensão clara da dimensão política, social, cultural e econômica das comunidades locais

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Marcial A. Garcia Suarez

Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense – UFF, sênior fellow do Maria Sibylla Merian Centre Conviviality - Inequality in Latin America – MECILA (Freie Universität Berlin/CEBRAP) e coordenador do Grupo de Análises em Política Internacional – GAPI, UFF

O título ambicioso deste texto não é menor do que o desafio que a Amazônia enquanto espaço impõe, não apenas ao Brasil, mas como ambiente geográfico, político, social, econômico, cultural, que une como um laço o Brasil e a América do Sul. A proposta aqui será a de explorar alguns desses aspectos sem esgotar, por óbvio, qualquer um deles.

O Brasil compartilha com seus vizinhos na América do Sul aproximadamente 17.000 km de fronteiras. A0 tomarmos apenas a Amazônia, a fronteira compartilhada passa dos 13.000km. Assim, esse território representa aproximadamente 76% das fronteiras brasileiras.

O desafio proposto está em proporção com a dimensão e complexidade do território que é compartilhado entre Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela, principalmente, sem considerarmos as Guianas. Em especial, nosso interesse está em discutir as dimensões da segurança que implicam compor um cenário no qual temos a presença de seis países com suas peculiaridades em relação ao tema da segurança, com percepções do que são ameaças não  totalmente compartilhadas.

O primeiro elemento de complexidade surge nesse contexto no qual a simples correlação entre a presença de um mercado ilícito de drogas gera impactos distintos nos índices de criminalidade ou nas taxas de homicídio. Por exemplo, se tomarmos esse último dado, encontramos uma singularidade importante.

A presença de um extenso mercado ilícito de produção e de tráfico de drogas, mineração ilegal e tráfico de armas não gera necessariamente altas taxas de homicídios. De acordo com o relatório do United Nations Office on Drugs and Crime de 2023 (UNODC), se tomarmos dois dos países produtores de coca, veremos a Bolívia com uma taxa de homicídio de 3.5/100.000 habitantes, enquanto a Colômbia aparece com uma taxa de homicídios de 25.7/100.000 habitantes.

Uma simples correlação, seja positiva ou negativa, entre taxas de homicídios e a presença de um mercado ilícito de circulação global talvez não seja suficiente para explicar a violência presente nesse contexto. Para tanto, uma discussão deve ser trazida à luz. Nesse sentido, compreendemos que, para além da presença desse mercado, devemos dar atenção ao modelo desse mercado, aos atores envolvidos, aos fluxos de pessoas e aos recursos movimentados.

Nesse caminho, deparamo-nos com algo que propomos como governança híbrida. Não se trata de um neologismo ou de um conceito inaudito, mas de uma forma de compreender. É um framework que começa a ser discutido a partir dos estudos sobre Reformas do Setor de Segurança (Security Sector Reform) que trataram de propor em questão o modelo tradicional das Nações Unidas de Peace Keeping, Peace Enforcement e State Building. O ponto central é a ideia de que não se deve estabelecer uma intervenção, seja ela de qualquer natureza, sem a compreensão clara da dimensão política, social, cultural e econômica das comunidades locais.

A governança hibrida já foi discutida por Pimenta e Villa, 2018; Villa, Braga &Ferreira, 2021 e Suarez, Pimenta & Ferreira, 2022, para citar alguns estudos voltados ao conceito aplicado em política internacional, mais precisamente numa agenda de segurança internacional, crime organizado e governança híbrida.

A análise da governança híbrida busca compreender os matizes do mercado ilícito e dos atores envolvidos. Nesse sentido, não basta compreender como grupos criminais como o Primeiro Comando da Capital  (PCC) ou o Comando Vermelho (CV) estão presentes. Para além disso, é necessário discutir a dinâmica da presença de atores violentos criminais transnacionais ao mesmo tempo em que eles se articulam com agentes do Estado e as comunidades locais em distintos países. O desafio teórico e metodológico está posto e a complexidade é alta. No entanto, é absolutamente necessário que se possa avançar nessa importante agenda de pesquisa.

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