Como a perícia atua nos casos associados à ingestão de metanol em bebidas
Para visualizar as diferenças entre as embalagens autênticas e as falsificadas, os Comparadores Vídeo Espectrais, dotados de câmeras que podem aumentar a imagem acima de 300 vezes, são fundamentais
Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Nestas últimas duas semanas, a crise associada à ingestão de metanol presente em bebidas alcoólicas destiladas foi tema presente em diversas manchetes e gerou muita repercussão nos meios de comunicação.
Até a última sexta-feira, dia 10, o Brasil contabiliava 246 casos notificados de intoxicação por metanol, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Desse total, 29 foram confirmados. O mesmo boletim que trouxe essas informações divulgou o número de óbitos: cinco confirmados no estado de São Paulo e 12 seguem em investigação, sendo um no Ceará, um em Minas Gerais, um no Mato Grosso do Sul, três em Pernambuco e seis em São Paulo.
A contaminação de bebidas por metanol não é novidade e está associada à adulteração criminosa de bebidas. O problema ocorre principalmente em bebidas destiladas às quais o metanol é adicionado ilegalmente. Isso pode acontecer de forma intencional ou acidental. Deste último tipo é exemplo a utilização de etanol adulterado com metanol.
Produção ilegal de bebidas alcoólicas de forma clandestina, sem controle de qualidade e sem a presença de um profissional habilitado significa aumento considerável do risco de contaminação por metanol em concentrações perigosas. Bebidas destiladas com alto valor agregado são frequentemente falsificadas, como uísque, vodca e gin, embora bebidas baratas e populares como a cachaça também apresentem eventualmente alto risco de contaminações.
Para o consumidor, a questão da falsificação é complexa, uma vez que os falsificadores aproveitam garrafas de marcas conhecidas, reimprimem rótulos e selos da receita federal, tornando a identificação de uma bebida falsificada algo pouco acessível ao consumidor médio. Mesmo assim valem as recomendações:
- Embalagem: Fique atento a tampas e lacres danificados, amassados ou sem o selo de controle (IPI);
- Líquido: Observe a cor e a presença de resíduos, além do nível irregular do líquido na garrafa;
- Rótulo: Desconfie de erros de grafia, de impressão de baixa qualidade ou da ausência de informações em português;
- Preço: Preços muito abaixo do mercado também podem indicar falsificação. Não caia na tentação de comprar bebida fora do padrão reconhecido de preços.
Quando pensamos na atuação da perícia nos casos que envolvem a contaminação de bebidas, logo imaginamos os testes de laboratório capazes de detectar a substância contaminante na mistura representada pela bebida destilada. Entretanto, isso é apenas uma parte do que se faz nos órgãos periciais nestes casos.
O exame de bebidas suspeitas de falsificação começa com o exame visual da garrafa, assim como da tampa, dos lacres e do selo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), emitido pela Receita Federal e dos rótulos.
No que diz respeito a cada um desses elementos, o exame será comparativo. Para realizá-lo, o órgão pericial necessita do apoio do setor industrial na obtenção dos padrões autênticos. Com relação aos selos e rótulos, o exame minucioso emprega tecnologia idêntica àquela envolvida na detecção de cédulas falsas de dinheiro.
Os equipamentos denominados Comparadores Vídeo Espectrais, conhecidos pela sigla VSC, são dotados de câmeras que podem aumentar a imagem observada, muitas vezes acima de 300 vezes, contando também com diversas fontes de luz, tais como branca, ultravioleta, infravermelha. São aplicáveis em diferentes condições, tais como luz incidente (perpendicular), luz oblíqua (rasante), luz coaxial e luz transmitida (que passa pelo suporte).
Com o uso desses equipamentos, os peritos conseguem visualizar as diferenças entre embalagens autênticas e falsificadas. O VSC pode ampliar os elementos gráficos e revelar detalhes invisíveis a olho nu, ajudando assim na identificação de produtos adulterados. Tipos de impressão, presença de brilho do verniz são alguns dos itens empregados nessa análise. Uma vantagem desse exame é que rapidamente se identifica uma falsificação, que depois será confirmada também pela análise química em laboratórios, onde, além de se comparar o líquido com amostras-padrão, a identificação do metanol como contaminante poderá ser realizada. Além dessa identificação do metanol, é preciso identificar quanto existe e se está acima da quantidade normal já presente em algumas bebidas.
Nos laboratórios de química, os equipamentos utilizados são outros: chamam-se cromatógrafos e espectrômetros de massa. Suas funções são identificar e separar os componentes da bebida.
Apresentadas estas informações, resta torcermos para que o combate à falsificação se intensifique para que um problema que é tanto de ordem da saúde pública como da esfera criminal possa ter solução rápida.