Caso Bruno e Dom: Investigação e perícia no “Vale dos Esquecidos”
O trabalho investigativo realizado pela Polícia Federal demandou intensa atividade e a perícia teve papel de destaque, produzindo provas ao mesmo tempo em que decorriam as diligências para apurar o desaparecimento de Bruno e Dom
Cássio Thyone Almeida de Rosa
Perito Criminal Aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor da Academia da PCDF, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da PMDF. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. É também Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Na última segunda-feira, 5 de junho, a morte de Bruno Pereira, de 41 anos, indigenista brasileiro, e de Dom Phillips, correspondente do jornal britânico The Guardian, de 57 anos, assassinados por um grupo de pescadores ilegais, possivelmente em resposta ao trabalho do indigenista contra crimes ambientais, completou um ano. O caso repercutiu no Brasil e internacionalmente, descortinando a realidade de uma vasta região isolada na Amazônia, denominada Vale do Javari, a segunda maior reserva indígena do Brasil, agora tratada em matérias jornalísticas como “Vale dos Esquecidos”. Povos isolados, tráfico internacional de drogas, exploração ilegal de madeira e de pescado, povos ribeirinhos, interesses diversos que compõem o pano de fundo em um contexto de alta complexidade.
Como executores, respondem pelo crime, na condição de réus, Amarildo da Costa de Oliveira (o “Pelado”) e Jefferson da Silva Lima, enquanto Oseney Costa de Oliveira responde também na condição de réu como coautor do crime. Agora foram indiciados como mandantes Rubén Villar, o “Colômbia”, preso por falsidade ideológica em julho de 2022, e o pescador ilegal Jânio Freitas de Souza, preso desde agosto do ano passado por associação criminosa para pesca ilegal. Todos vão responder pelos crimes de homicídio e ocultação de cadáver.
O trabalho investigativo realizado pela Polícia Federal demandou intensa atividade e a perícia teve papel de destaque, produzindo provas ao mesmo tempo em que decorriam as diligências para apurar o desaparecimento de Bruno e Dom; e posteriormente ao assassinato e ocultação dos corpos. Além de peritos de local de crime, uma unidade especializada em Antropologia Forense fez parte da equipe, detalhe que garantiu mais agilidade no processo de identificação dos corpos, já que estes encontravam-se já em avançado estado de putrefação, tendo sido localizados somente 10 dias decorridos do desaparecimento. Dentre os exames periciais descamamos:
Exames de Local: foram exames realizados no local denominado “local da emboscada” e no local onde os corpos foram encontrados. Importantes vestígios foram buscados (sangue, DNA, material biológico, impressões digitais, marcas de pegadas, vestígios balísticos) e alguns destes, coletados. No local onde estavam os corpos, além dos cadáveres, havia também vestes e pertences. As dificuldades inerentes às características do local devem ser lembradas e incluem as vastas dimensões, o acesso possível apenas com emprego de embarcações; altas temperaturas, riscos relacionados ao contato com flora e fauna típicos de uma floresta tropical densa e úmida.
Exames em embarcações: o barco empregado pelos executores foi periciado antes mesmo de os corpos serem encontrados. A embarcação em que estavam Bruno e Dom, que tinha sido afundada, foi recuperada e examinada pelos peritos criminais;
Exames Cadavéricos: foram realizadas necrópsias nos corpos de Bruno e Dom, que exigiram um transporte até Brasília – DF, onde os exames ocorreram no próprio Instituto Nacional de Criminalística (INC), uma vez que na região em que os fatos ocorrerem não havia um Instituto de Medicina Legal que pudesse servir de apoio. A perícia definiu que Bruno foi morto com três tiros, (região abdominal, torácica e cabeça), enquanto Dom levou um tiro no abdômen/tórax. A munição empregada nos assassinatos foi típica daquela empregada na caça (balins e balotes).
Exames de Identificação: os corpos foram identificados segundo protocolos internacionais, preconizando a possibilidade de uma identificação por impressões digitais, arcada dentária e DNA.
Exame de Reprodução Simulada. Coletados os primeiros depoimentos dos suspeitos, várias simulações foram realizadas visando comprovar ou confrontar as declarações prestadas. Trajetos executados pelas embarcações envolvidas foram medidos e cronometrados.
Exames Balísticos: realizados nas munições encontradas nos corpos e que permitiram, juntamente com as características das lesões, estimar as distâncias nas quais os disparos foram efetuados;
Exames de Percepção e Audibilidade: que analisaram informações sobre a audibilidade e percepção entre a aproximação das embarcações no momento do fato, além da audibilidade referente aos disparos;
Exames em Dispositivos: exames em aparelhos celulares dos envolvidos nas mortes trouxeram importantes esclarecimentos, em especial quanto à premeditação e envolvimento de cada um dos suspeitos;
Um documentário sobre Bruno e Dom recentemente disponibilizado mostrou outros vestígios no que seria um local onde os executores teriam ocultado pertences das vítimas. Uma patrulha da organização de direitos indígenas Univaja seguiu buscando pistas durante meses na região. O documentário mostra em outubro do ano passado esse grupo fazendo buscas na lama com um detector de metais nos arredores de onde foram encontrados os corpos dos dois homens. A área tinha ficado submersa durante a estação das chuvas. Foram encontrados o computador e a credencial de imprensa de Phillips, e depois o telefone celular de Bruno, objetos de grande valor para a investigação. Do celular, imagens importantes foram recuperadas.
Em que pese o elogio pela persistência na busca, ao localizarem os objetos, estes deveriam ter permanecido no local, sem serem arrecadados. Perdeu-se assim a possibilidade de realização de um novo exame de local de crime. A cadeia de custódia dessas provas restou comprometida, já que a arrecadação deveria ser realizada por peritos oficiais, como preconiza o CPP. Nada, porém, que inviabilize a aplicação da justiça!