Profissão Polícia 15/09/2022

Brevíssimo guia para avaliação de propostas de segurança pública nas eleições

É extremamente comum, especialmente em candidaturas estaduais, seja para Assembleia Legislativa, seja para o Executivo, que as propostas sejam apresentadas como estaduais, porém, acabam sendo formuladas com base nas realidades das capitais

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Livio José Lima e Rocha

Investigador da Polícia Civil do Estado de São Paulo desde 1999. Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Paulista, pós-graduação lato sensu em Direito Penal pela Faculdade Metropolitanas Unidas e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Faltando pouco mais de duas semanas para as eleições, temos uma sobrecarga de propostas em diversos temas, oriundas de novas candidaturas e de candidaturas que procuram a reeleição. Como o cotidiano dos eleitores não permite pesquisar cada proposta com profundidade, vamos nos ater ao tema Segurança Pública para simplificar possíveis análises, sem tornar desqualificado o debate.

Como explicamos anteriormente, em segurança pública temos três tipos de propostas: classistas, corporativas e de segurança pública propriamente dita. Classistas são aquelas que beneficiam apenas uma categoria policial, corporativas são aquelas que promovem apenas um órgão da segurança pública e temos as propostas que não são classistas e nem corporativistas e, mesmo assim, produzem resultado em segurança pública. Devemos lembrar que não são categorias excludentes, sendo comum uma proposta caber em mais de uma.

O primeiro passo do eleitor é identificar em quais categorias a proposta se encaixa, pois isso afetará os tipos de recursos orçamentários que serão exigidos: propostas salariais, por exemplo, são despesas de custeio, ou seja, é um gasto contínuo: exige que o governo tenha disponibilidade igualmente contínua dos recursos. Por outro lado, se a proposta for a compra de viaturas policiais para a segurança pública, a despesa será de investimento: o valor precisará estar disponível somente no momento da licitação.

Um candidato ou uma candidata que se comprometa com aumento salarial de categorias da segurança pública num ente federativo deficitário, talvez operando no limite da responsabilidade fiscal, precisa justificar séria e objetivamente de onde sairão os recursos para esse aumento. Enquanto isso, não é difícil ter dinheiro em caixa para investimento: basta não ser um ente federativo com severas restrições orçamentárias, além da possibilidade de pleitear os valores no Fundo Nacional de Segurança Pública, no âmbito do SUSP. Uma candidatura que atrele aumentos salariais (despesa contínua) a uma venda de imóveis públicos (crédito único), por exemplo, está induzindo o eleitorado a erro.

O segundo passo dos eleitores é verificar se a proposta pode funcionar. Não há necessidade de ser especialista em gestão pública para checar isso. O ônus de comprovar que a proposta pode funcionar é da candidatura. Para ficarmos em uma proposta polemizada, falemos sobre as câmeras corporais no policiamento ostensivo. Funciona? Se funcionar significa que reduz os abusos de poucos policiais que estragam a imagem da maioria, reduz a letalidade das ações e, principalmente, reduz a morte de policiais, podemos afirmar que funciona nos países que adotaram. Perfeito? Não. Deve ser aperfeiçoado? Sem dúvida. Como é uma experiência com bons resultados nos países que as adotaram, os eleitores devem ser exigentes com candidaturas que proponham redução ou extinção das câmeras corporais.

O terceiro passo é a regionalização da proposta. Esse é dos passos menos difíceis para o eleitorado: a proposta de segurança pública conversa com o cotidiano? É extremamente comum, especialmente em candidaturas estaduais, seja para Assembleia Legislativa, seja para o Executivo, que as propostas sejam apresentadas como estaduais, porém, acabam sendo centradas nas realidades das capitais. Qualquer Estado brasileiro tem realidades distintas entre suas capitais e suas regiões afastadas das capitais. Tomando o Estado de São Paulo como exemplo, as propostas de segurança pública para o eleitor residente em Presidente Bernardes, distante 578 quilômetros da capital e com estabelecimento prisional, provavelmente serão diferentes daquelas para a eleitora de Ourinhos, 370 quilômetros da capital e alvo de um assalto do tipo “novo cangaço” em maio de 2020, que, por sua vez, serão diferentes das necessidades de segurança pública dos moradores do Grajaú, bairro localizado na periferia da Capital. Mesmo que sejam genéricas, cabe aos eleitores exigir propostas de segurança que melhorem a sua realidade ou votar apenas em candidaturas que tenham esse comprometimento.

Em suma, cada passo nessa reflexão pode ser desdobrado em apontamentos mais profundos e longos. Dada a proximidade das eleições, não há tempo para o eleitorado brasileiro acompanhar, mesmo que queira, todas as discussões sobre políticas de segurança pública, que dirá sobre todos os outros temas importantes, como Saúde, Educação e qualquer outro que afete mais profundamente a vida de cada eleitor. Nossa intenção com este brevíssimo guia é apenas facilitar a análise de propostas de segurança pública pois, mesmo que existam outros temas importantes, a segurança pública é aquele que afeta todas as pessoas indistintamente, de um modo positivo ou negativo; logo, não pode ser colocado em segundo plano, por risco de nos sujeitarmos a uma péssima gestão em segurança pública pelos próximos quatro anos.

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