Múltiplas Vozes 22/10/2025

Brasil esclarece apenas 4 em cada 10 homicídios

Priorizar o enfrentamento aos crimes contra a vida, com a melhoria da investigação policial e a responsabilização adequada dos autores, é fundamental para garantir resposta às famílias das vítimas e para fortalecer a confiança da sociedade no Estado

Compartilhe

Beatriz Graeff

Mestre em Antropologia; coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz

Rafael Rocha

Doutor em Sociologia; coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz; pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG

Apenas 36% dos homicídios dolosos ocorridos no Brasil em 2023 foram esclarecidos até o fim de 2024. O resultado representa uma leve queda em relação ao ano anterior, que registrou 39% de esclarecimento desses crimes. O desempenho varia bastante entre os estados. A Bahia tem o pior resultado, com 13% dos casos resolvidos, seguida por Piauí e Rio de Janeiro, ambos com 23%. Na outra ponta, o Distrito Federal e Rondônia apresentam os melhores índices, com 96% e 92%, respectivamente.

Os dados fazem parte do relatório “Onde Mora a Impunidade? Porque o Brasil precisa de um indicador de esclarecimento de homicídios”, publicado pelo Instituto Sou da Paz desde 2017. O estudo considera como “esclarecido” o homicídio em que ao menos um suspeito é denunciado pelo Ministério Público até o fim do ano seguinte à ocorrência do crime. As informações são coletadas junto aos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça estaduais.

Ao longo destes nove anos, a taxa nacional oscilou pouco, mantendo-se na maior parte do tempo na faixa entre 30% e 40% de esclarecimento. Nos três primeiros anos do levantamento, o índice foi de apenas 32%, e o melhor resultado foi registrado em 2018, com 44% dos casos esclarecidos.

É importante ressaltar que o estudo ainda não cobre todo o país. Na primeira edição, apenas seis estados enviaram informações suficientes para cálculo do indicador. Com o passar do tempo, esse número cresceu, e foi estabelecido um patamar que gira em torno de 17 estados. No entanto, o aumento do número de unidades federativas que compõem o estudo não foi linear, com estados que apresentaram interrupção ou piora na qualidade dos dados em paralelo à entrada de novos estados no levantamento.

O principal motivo pelo qual estados não entram no estudo é a impossibilidade de extração automática da data em que ocorreu o homicídio nos sistemas dessas instituições. Assim, o Instituto Sou da Paz recebe anualmente dados de estados que, por não conterem as informações básicas para o cálculo do indicador, não são inseridos no levantamento nem no cálculo da taxa nacional. O fato de que, em alguns estados, os Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça ainda não conseguem fornecer esses dados básicos revela o quanto ainda é preciso avançar na discussão sobre a baixa prioridade conferida ao esclarecimento e ao processamento de homicídios no Brasil.

Desde a primeira edição, a metodologia adotada pelo Sou da Paz foi objeto de críticas por parte de policiais civis. Eles apontam corretamente a existência de situações em que a conclusão bem-sucedida de um inquérito não se transforma em denúncia do Ministério Público, como quando a investigação identifica como suspeitos menores de 18 anos ou pessoas que já estão mortas no momento da conclusão do inquérito. São críticas válidas e que devem ser consideradas quando o indicador do relatório “Onde Mora a Impunidade” é comparado a dados produzidos pelas próprias polícias civis, e refletem escolhas metodológicas que visam a uma maior padronização dos dados mensurados em cada estado brasileiro.

Mesmo assim, a divulgação anual do relatório e a pressão pública gerada a cada nova publicação alimentaram um importante debate dentro das polícias civis e fizeram com que a demanda pela criação de um indicador oficial de esclarecimento de homicídios, produzido por um órgão de governo, avançasse com um alinhamento inédito em torno de uma proposta focada na atividade fim da polícia judiciária.

O ano de 2023 marcou um ponto de virada nesse debate. Em um encontro promovido conjuntamente entre a Senasp e o Comitê de Diretores de Departamentos de Homicídios e Proteção à Pessoa (CNDH), e com a participação do Instituto Sou da Paz, foi elaborada uma proposta de metodologia unificada que pudesse ser adotado em todo o país. Essa proposta consolidada de um indicador de esclarecimento de homicídios seguiu para aprovação do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC); posteriormente, em 2025, foi enviada ao Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (CONSESP), sendo validada sem alterações substantivas.

Atualmente em trâmite para ser incorporado aos dados disponibilizados pelo SINESP, o Indicador Nacional de Elucidação de Homicídios (INEH) é um raro caso na segurança pública de uma inovação debatida e elaborada pelos próprios operadores que lidam com o tema cotidianamente, e que com o apoio da sociedade civil e do governo federal, foi gradativamente validada e referendada pelas direções das Polícia Civis e das secretarias de segurança do país.

Falta muito pouco para que o Brasil tenha, finalmente, um Indicador Nacional de Elucidação de Homicídios elaborado pelos órgãos de segurança pública, validado e publicado oficialmente pelo governo federal. A criação da ferramenta será um importante marco para planejar, avaliar e melhorar as políticas de segurança no país. Priorizar o enfrentamento aos crimes contra a vida, com a melhoria da investigação policial e a responsabilização adequada dos autores, é fundamental para garantir resposta às famílias das vítimas e para fortalecer a confiança da sociedade no Estado.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES