Segurança Pública na Amazônia 27/03/2024

Belo Monte: violência e desilusão em meio às contradições do (des)envolvimento

O preço do "desenvolvimento" trouxe consigo caos e violência, e, com isso, uma maior demanda por consumo de drogas e outros mercados ilegais, assim como o aumento considerável de crimes de violência sexual na região

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Taiana Amanda Fonseca dos Passos

Graduada em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal Rural da Amazônia-UFRA. Mestra em Aquicultura e Recursos Aquáticos Tropicais-UFRA. Doutoranda Em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal do Pará-UFPA, Pesquisadora do Instituto Mãe Crioula- IMC

A construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, em Altamira, no Pará, inaugurado oficialmente em 2016, inundou 260 milhas quadradas de planícies e florestas, desalojou mais de 20 mil pessoas e causou danos significativos ao meio ambiente. Belo Monte é responsável por constantes violações socioambientais que ameaçam a permanência das populações nesse território, afetando seu modo de vida, alimentação e as relações culturais existentes. A comunidade relata transformações principalmente quanto ao declínio dos estoques pesqueiro e o desaparecimento de diversas espécies de grande importância econômica e ecológica.

É essencial refletirmos sobre os territórios solicitados por essas empresas e quais comunidades serão diretamente afetadas pela implantação desses grandes projetos. Esse pensamento nos leva a considerar não apenas suas consequências ambientais, mas também as consequências sociais para as comunidades locais. É fundamental analisar de que forma a implementação dessas grandes obras influenciam a vida daqueles que dependem diretamente da floresta e de seus recursos naturais para sobreviver. As constantes controvérsias entre a geração de energia e a reprodução e manutenção da vida humana e não humana é notória e muitas ainda desconhecidas. O desastre após a implantação de um megaprojeto não é marcado por um momento específico. Belo Monte é um desastre que vem se expandindo desde sua instalação, deixando rastros de destruição e transformações contínuas. Existem diferenças significativas entre quem paga os custos e quem recebe os benefícios.

Ressalta-se que as populações tradicionais possuem profundas relações com a natureza, que vão para além do simples uso dos recursos naturais, pois há uma sinergia que se dá em função de uma cosmologia envolvendo o conhecimento empírico acerca dos benefícios da biodiversidade. Suas práticas ancestrais são fundamentais para a preservação da natureza, promovendo equilíbrio ambiental. Os povos dos rios e das florestas que habitam secularmente a Amazônia são constantemente ameaçados e invisibilizados, sendo despossuídos de suas terras, das águas, da floresta e do seu ambiente, colocados em condições subalternas por parte do capital.

As barragens não são uma característica permanente da paisagem, e nunca foram. A transformação do território devido à instalação desses megaprojetos na Amazônia gera conflitos de territorialidades, com a ocupação do espaço para a construção e consequentemente a deslocação das populações locais. Essas construções não só dominam o território, mas também a vida e os corpos das pessoas que ali vivem. Entendo que nosso corpo também é um reflexo da sociedade em que vivemos, pois ele é capaz de se adaptar e também a moldar-se para tentar sobreviver em diferentes ambientes e situações; da mesma maneira, o território, mas até que ponto nossos corpos e o território podem ser maleados e transformados para atender a demandas externas? O dilema entre apologistas e opositores dos grandes projetos na região envolvem uma luta entre argumentos relacionados às vantagens econômicas versus os desastres socioambientais. O debate enfatiza a divisão entre o domínio econômico, por um lado, e o socioambiental, por outro.

Sabe-se que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a cidade de Altamira, localizada a 52 km a montante da barragem, serviu de palco principal para a construção de Belo Monte, em 2016. Desde a construção da barragem, a população de Altamira cresceu, de 77.439 habitantes (em 2000) para aproximadamente 109.938 em 2016. Mais de 30.000 trabalhadores (locais ou migrantes) se estabeleceram temporariamente na região, o que modificou totalmente a estrutura urbana da cidade.

O município também passa por contextos de violência extrema. De acordo com o Boletim de Análise Político-Institucional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre as Dinâmicas da Violência na Região Norte, publicado em janeiro de 2024, dentre os municípios brasileiros analisados em relação ao número de vítimas e taxa média de homicídios, Altamira destacou-se, apresentando 462 vítimas e média de 87,91, com taxas mais elevadas entre os anos de 2011 e 2015, tendo um aumento de 5,71% entre 2016 e 2020. É importante destacar que 2015 foi o ano de eminência das obras de Belo Monte e 2016, o ano de inauguração oficial.

Altamira viu sua população saltar de forma exponencial e não planejada. O preço do “desenvolvimento” trouxe consigo caos e violência, e, com isso, uma maior demanda por consumo de drogas e outros mercados ilegais, assim como o aumento considerável de crimes de violência sexual na região. Segundo o III Diagnóstico Rápido Participativo: Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Município de Altamira: a dinâmica de construção da UHE Belo Monte foi o principal fator apontado pelas instituições para o aumento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (VSCA), possuindo estreita relação com o crescimento do contingente populacional, com a precarização das condições de vida das famílias e com a fragilização das instituições públicas.

Também há de se destacar que a região de Altamira se transformou em uma importante rota do tráfico de drogas, sobretudo de cocaína e skank, que atravessam pelas fronteiras do Amazonas ao Oeste do Pará. Essa condição de área de trânsito e de mercado consumidor possibilitou a expansão do narcotráfico pelas periferias de Altamira; ao mesmo tempo, o município assistiu ao surgimento de facções criminosas, que disputam o controle dos territórios.

Esse paradoxo também se reflete nos baixos índices de desenvolvimento humano presentes na região. Segundo os últimos dados divulgados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, a cidade de Altamira apresentou IDH (0,665); ou seja, a grande promessa de desenvolvimento seria para quem? Ainda nesse cenário, a falta de investimento em políticas sociais e de segurança pública agrava ainda mais os desafios enfrentados pelas comunidades urbanas e tradicionais que vivem no entorno.

De acordo com os dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), o valor pago pela energia no Pará é um dos mais altos do país, cerca de R$ 0,96/KWh atualmente, sendo que o valor médio nacional é de R$ 0,72/KWh. É o preço que é pago pela população da região que abriga duas das que são consideradas as maiores usinas hidrelétricas do país. A instalação de Belo Monte segue a lógica da reprodução capitalista, e seus proprietários empregam todas as estratégias disponíveis para aumentar seus lucros. Existe uma racionalidade hegemônica que envolve a relação capital e trabalho na organização e produção do espaço capitalista, e na região de implantação de Belo Monte não está sendo diferente.

É importante ressaltar a resistência dessas comunidades locais como uma espécie de testemunho da força e da resistência do povo amazônico diante das adversidades impostas pelo avanço desenfreado do capital. As lutas sociais e políticas travadas nesse contexto são fundamentais para a manutenção da diversidade cultural e ambiental da Amazônia, bem como para a proteção dos direitos humanos e coletivos dessas populações.

A construção da hidrelétrica de Belo Monte, assim como a constante implantação de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia, tem sido objeto de controvérsias e de grandes debates. É fundamental refletirmos sobre essas questões e buscarmos alternativas que respeitem a diversidade dos povos dos rios e das florestas, muitas vezes negligenciados. Mas é preciso também que o Estado pense em políticas de segurança pública que garantam a proteção da vida e a defesa dos direitos humanos. É essencial reconhecer as contradições geradas por Belo Monte e pensar  soluções emergenciais que promovam sustentabilidade econômica, social, cultural e cidadã.

 

REFERÊNCIAS
IPEA. DINÂMICAS DA VIOLÊNCIA NA REGIÃO NORTE. Boletim de Análise Político-Institucional. Janeiro 2024.
III Diagnóstico Rápido Participativo: Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Município de Altamira/PA, coordenador ASSIS DA COSTA OLIVEIRA- Altamira: UFPA, 2016.
IBGE, Estimativas da população residente com data de referência 1° de julho de 2016. Coordenação de População e Indicadores Sociais, Brasilia DF < https:// cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=150060&idtema=130 >.2016.

 

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