Perícia em evidência 15/05/2024

Bebê Rena: a arte imita a vida e a vida imita a arte. A perícia em crimes de stalking

A perícia de informática é uma das que mais crescem em demanda, e exigirá dos gestores esforços crescentes na procura por peritos em número suficiente para o atendimento às necessidades

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O crime de “stalking” ou perseguição teve sua tipificação readequada há pouco tempo, pela Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, que apresenta, no Art.147-A, uma nova redação:

Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”

A adequação se fez necessária, já que a perseguição ou “stalkeamento” virtual tornou-se um grave problema da modernidade. A pena para quem for condenado é de 6 meses a 2 anos de prisão, mas pode ser ampliada para três anos de acordo com os agravantes, como crimes contra mulheres.

As principais vítimas desse tipo de crime certamente são as mulheres, mas os homens também podem sofrê-lo. Para os cinéfilos e amantes de séries disponíveis em streamings, uma das produções de maior repercussão nas últimas semanas intitula-se “Bebê Rena“, disponível na plataforma Netflix.

Antes de descrever rapidamente o contexto da obra, quero dizer que, ao menos para mim, a série foi perturbadora. Cômica em certos momentos, mas incômoda em sua maior parte. Se você ainda não  viu e pretende assisti-la, guarde essa minha impressão: você vai, em algum momento, identificar-se com as duas partes envolvidas, vai sentir compaixão e repulsa. Vai perceber em que sentido as pessoas adoecem psicologicamente. Vai ter a chance de compreender as raízes desse mal moderno.

A história, apresentada como baseada em fatos reais, apresenta-nos um comediante de stand-up, Donny Dunn, que trabalha como barman num pub em Londres. Certo dia, uma mulher, Martha, entra e se senta ao balcão. Martha tem um ar inconsolável; ele então lhe pergunta o que deseja tomar. Ela diz que está sem dinheiro. Empático, ele lhe oferece um chá por conta da casa. Ela se encanta com esse simples gesto e a partir desse encontro fica obcecada por Donny, passando a stalkeá-lo nas redes e na vida real, com milhares de e-mails, mensagens SMS, e comentários em seus posts nas redes sociais. Ela chega a persegui-lo pelas ruas e por locais frequentados por ele, e a situação vai se complicando. Em meio a todo o drama, há ainda questões envolvendo abuso, homofobia e saúde mental. Paro por aqui para não cometer spoilers, com uma última observação: quer entender o título aparentemente sem sentido da série? Então assista.

Em terras brasileiras temos também nossos casos “Bebê Rena”.

Trazemos um caso recente e outro que ocorreu em 2017, com condenação em 2022:

Na semana passada, na cidade de Uberlândia-MG, uma mulher de 23 anos foi presa na universidade onde cursava nutrição. A mulher era paciente de um médico que atendia na cidade de Ituiutaba. A perseguição teve início em 2019, com a declaração de que estava apaixonada pelo profissional.

Segundo reportagens jornalísticas, após ser retirada da lista de pacientes do médico devido às perseguições, as ameaças se intensificaram. Ela continuou a enviar mensagens, a fazer ligações e até mesmo a perseguir familiares do médico. O médico e a esposa dele registraram aproximadamente 30 boletins de ocorrência por ameaça, perturbação do sossego, lesão corporal e extorsão. Apesar disso, o mandado de prisão só foi expedido pela Justiça após a mulher roubar o celular da esposa do médico.

A autora já havia sido detida em flagrante em duas ocasiões anteriores por ameaça, extorsão e furto qualificado. Ela foi solta pela Justiça com a imposição de medidas cautelares que ela posteriormente violou. Estava foragida desde março do ano passado. Durante a prisão realizada pela Delegacia de Homicídios de Uberlândia, foram apreendidos dois celulares com a acusada, que agora se encontra detida na ala feminina da Penitenciária Professor João Pimenta da Veiga.

No Distrito Federal também tivemos um caso emblemático de “stalking”, que envolveu uma ex-policial civil, condenada, em junho de 2022, a pagar R$ 50 mil por danos morais causados a um ex-namorado, que é delegado da mesma corporação. De acordo com informações veiculadas na mídia, consta no processo que a mulher, armada, chegou a invadir a casa da vítima, acionando a polícia e mentindo sobre ter sido agredida e sofrido violência sexual.

O caso ocorreu em 27 de julho de 2017. A ex-policial chegou a ser presa por outros crimes cometidos contra pessoas com as quais se relacionou em outras ocasiões; ou seja, seu comportamento era contumaz, o que a caracterizava como uma serial stalker, o que não é tão incomum nesse tipo de situação, uma vez que o agressor é, em geral, uma pessoa adoecida psicologicamente.

Quanto à perícia desses casos, certamente os exames realizados em dispositivos (aparelhos celulares, notebooks, e outros) serão essenciais para demonstrar a materialidade do crime. Trata-se da perícia de informática, tantas vezes citada em nossa coluna, uma das que mais crescem em demanda e que vai exigir dos gestores cada vez mais esforços para buscar lotar contingentes de peritos suficientes para o atendimento às necessidades.

A depender da variedade de crimes associados à ação do perseguidor, podermos ter que recorrer a diversos outros tipos de exames, como os de lesões corporais, exames de local de crime, exame de imagens, exames de identificação de locutor (exame de voz); dentre outros.

A arte segue imitando a vida e a vida segue imitando a arte, até porque ambas empregam como matéria prima o ser humano, em sua total complexidade. #ficaadica sobre a série.

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