Alan Fernandes
Coronel da Reserva da Polícia Militar/SP, Doutor em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar/SP. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A violência nas escolas tem ganhado contornos mais graves nos últimos anos no Brasil por introduzir ataques que resultam na morte de estudantes, professores e crianças. Esses casos nos desorientam e nos lançam para uma desesperança quanto ao nosso futuro. Nesses momentos, cabe-nos perseverar para a construção de uma sociedade com menos violência, ainda que remanesçam tantos desafios nacionais a enfrentar nesse campo.
Para aplacar nossa vertigem, procuramos compreender por que certas pessoas são capazes de cometer atos tão atrozes. Neste texto, procuro trazer outro tipo de discussão, que se relaciona em responder como o Brasil conseguiu evitar outros massacres. Apesar do nosso pessimismo, é preciso trazer à tona que, felizmente, houve casos em que os atos não foram executados e que, infelizmente, não são raros.
Acredito ser relevante trazer esse tema, pois as respostas imediatas a atentados em escolas gravitam em torno de um maior dimensionamento do aparato policial junto a elas e de alterações arquitetônicas e tecnológicas. Ainda que sejam capazes de, em um curtíssimo prazo, restabelecer uma tranquilidade junto à comunidade escolar, elas se mostram pouco eficientes a médio e longo prazos. Outro conjunto de respostas se dá na incrementação da capacitação de policiais, professores e alunos sobre o que fazer em caso de um atentado na escola. Assim, dinâmicas ligadas à ação policial frente a atiradores ativos (Racorti; Andrade, 2023) ou a professores e alunos sobre como procederem nesses casos também são acionados frente ao medo que se instala na população. Ainda que tais ações mostrem-se capazes de reduzir danos, não se colocam para evitar que tais atentados ocorram.
Um outro rol de respostas se coloca entre ações eminentemente pedagógicas que busquem refrear conhecidos gatilhos para tais ações criminosas, tais como bullying, e ações tomadas durante e após tais eventos. São medidas que buscam capacitar os grupos sociais mais próximos às dinâmicas escolares a identificar processos e pessoas que possam levar a tais atentados. Tais medidas variam, portanto, desde ações essencialmente escolares a ações policiais de prisão de iminentes perpetradores.
Um dos tratamentos adotados é o que se denomina threat assessment, (Cornell, 2020; Vossekuil et al., 2004) ou avaliação de ameaças, em tradução livre. O pensamento central dessa iniciativa é capacitar a direção da escola para identificar situações que possam levar à violência, avaliar comportamentos de risco e implementar medidas que sejam apropriadas. Em resumo, essas ações passariam por sensibilizar professores a detectar problemas críticos no desenvolvimento de adolescentes, organizar canais de comunicação sobre estudantes em crise, promover suporte a esses estudantes, treinar a comunidade escolar na gestão desses casos e construir uma rede cooperativa para promover intervenções orientadoras e apropriadas (Leuschner et al., 2017).
Um dos pontos mais presentes na literatura estudada é a existência de grupos especialmente dedicados a esses assuntos, chamados de team prevention teams ou school resources offices (Newman et al., 2005), formados pelo staff da escola, professores, pais e policiais. Na Alemanha, segundo país com maior número de atentados a escolas, atrás dos Estados Unidos, uma iniciativa chamada NETWASS (Networks Against School Shootings ou Rede contra Tiroteios em Escolas) promove essa atuação entre ações que concernem a acompanhamento de casos específicos no âmbito educacional à notificação de casos excepcionais e de maior gravidade à polícia.
A existência de redes de acompanhamento de casos de adolescentes como potenciais perpetradores de atos violentos não é exatamente novidade no Brasil. No Estado de São Paulo, por exemplo, a Secretaria da Educação dispõe do Projeto CONVIVA, em que professores realizam uma escuta ativa em relação aos alunos a fim de dar suporte a questões pessoais. Há ainda o Gabinete Integrado de Segurança e Proteção Escolar (GISPEC) localizado na sede da Secretaria que se propõe a fazer um acompanhamento de casos graves e com potencial de atentados. Mesmo além de São Paulo, ações promovidas pelas escolas e pelos órgãos policiais foram capazes de evitar atentados, como noticiados pela imprensa.
Assim, com base na ideia de compreender os mecanismos em ação no Brasil que lograram evitar atentados como o ocorrido em Blumenau e em São Paulo, foram analisados os eventos noticiados pela imprensa que reportavam tais casos. Esse levantamento se baseou no trabalho do Grupo de Trabalho da Educação do Governo de Transição (Cara et al., 2022) e introduziu outros três eventos que não constavam naquele trabalho. Por certo, tal levantamento não dá conta da totalidade dos casos, uma vez que a cobertura jornalística comumente se concentra naqueles eventos em que os perpetradores foram presos pela polícia, o que não abrange inúmeros casos que não receberam o tratamento policial, vez que foram tratados por outras agências, como a escola ou o conselho tutelar. Permitem, de toda sorte, um levantamento inicial sobre as configurações que permitiram evitar a morte de alunos e de membros da comunidade escolar, compreender suas contribuições e necessidades de melhora.
Diante deles, buscou-se compreender se tais eventos foram evitados pelo papel das polícias ou de uma rede que estivesse dedicada a isso. Caso exista essa rede, quem são os atores mais próximos a tais assuntos? Com isso, permite-se refletir por que essas ações foram evitadas enquanto há outros em que não se obteve o mesmo sucesso? Objetivamente, perguntou-se: quem identificou as ameaças e a quem elas foram reportadas?
Foram analisados 17 casos em que pessoas foram presas por estarem planejando a execução de ataques. São jovens, em sua imensa maioria homens, que se valem de inscrições nas instalações escolares (principalmente banheiros), ou de aplicativos de mensagens (incluindo aplicativos da própria instituição, ainda que em apenas um caso) ou de plataformas sociais frequentemente utilizadas.
Dentre os casos analisados, 10 (ou 58%) deles foram identificados por órgãos não policiais, dentre os quais a direção da instituição escolar, pais, alunos e grupo de segurança escolar. Os demais 7 casos (ou 42%) foram inicialmente identificados por órgãos policiais, tais como polícia civil, polícia federal (em universidades federais), policiamento escolar e guarda municipal. Há a participação da Agência de Segurança Interna do Federal Bureau of Investigations (FBI) do Governo dos Estados Unidos em 3 dos casos analisados. Dentre os casos em que órgãos policiais identificaram a ameaça, a maior parte se deu em decorrência de vigilância em redes sociais.
Os dados mostram que foram os órgãos não policiais os responsáveis pela maior parte dos casos evitados, mesmo no universo pesquisado em que a participação policial (prisão do planejador) está na totalidade dos casos. Podemos deduzir que as ações desses grupos civis tenham promovido evitar uma série de outros massacres, o que nos mostra a importância desse tipo de atuação. Aliado a isso, o papel das polícias, sobretudo na inteligência cibernética, mostra-se relevantíssimo, uma vez que foi por meio do acompanhamento do ambiente virtual que se identificou a execução de atentados. Além disso, é preciso salientar que são os canais fortalecidos entre a escola e a polícia que favorecem a notificação dos casos graves, pelo que se sugere que, além de agências policiais atentas a ambientes cibernéticos, a polícia mantenha e aprofunde canais de comunicação com a escola.
Aliado às sinalizações acima, destaca-se a importância de redes que se encarreguem do acompanhamento de casos mais graves e que fortaleçam uma cultura de segurança na escola. Infelizmente, tristes contingências da nossa atual dinâmica social.
Referências:
CARA, Daniel et al. O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às instituições de ensino e alternativas para a ação governamental. São Paulo. Disponível em: https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/Relatorio_ExtremismoDeDireitaAtaquesEscolasAlternativasParaAcaoGovernamental_RelatorioTransicao_2022_12_11.pdf.
CORNELL, Dewey G. Threat assessment as a school violence prevention strategy. Criminology and Public Policy, [v. 19, n. 1, p. 235–252, 2020. DOI: 10.1111/1745-9133.12471.
LEUSCHNER, Vincenz; FIEDLER, Nora; SCHULTZE, Martin; AHLIG, Nadine; GÖBEL, Kristin; SOMMER, Friederike; SCHOLL, Johanna; CORNELL, Dewey; SCHEITHAUER, Herbert. Prevention of Targeted School Violence by Responding to Students’ Psychosocial Crises: The NETWASS Program. Child Development, v. 88, n. 1, p. 68–82, 2017. DOI: 10.1111/cdev.12690.
NEWMAN, Katherine S.; FOX, Cybelle; HARDING, David; MEHTA, Jal; ROTH, Wendy. Prevention, Intervencion, and Coping with School Shootings. In: NEWMAN, Katherine S.; FOX, Cybelle; HARDING, David; MEHTA, Jal; ROTH, Wendy (org.). Rampage: Social Roots of School Shootings. New York: Basic Books, 2005. p. 271–298.
RACORTI, Valmor Saraiva; ANDRADE, Adriano Enrico Ratti. Ataques Ativos: Análise do fenômeno e propostas de atuação em amplo espectro. 2023. Disponível em: https://velhogeneral.com.br/2023/04/07/ataques-ativos-analise-do-fenomeno-e-propostas-de-atuacao-em-amplo-espectro/. Acesso em: 10 abr. 2023.
VOSSEKUIL, Bryan; FEIN, Robert A.; REDDY, Marissa; BORUM, Randy; MODZELESKI, William. The Final Report and Findings of the Safe School Initiative: Implications for the Prevention of School Attacks in of the Safe School Initiative. United States Secret Service and United States Department of Education, June, p. 63, 2004. Disponível em: http://www.secretservice.gov/ntac/ssi_final_report.pdf.