Ana Célia da Silva Escamilla Anjos
Mestra em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA; 2º Sargento da Polícia Militar do Amazonas
Nathália França de Oliveira
Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Professora Adjunta da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
O assédio moral nas relações de trabalho é uma prática generalizada em todo o mundo (OIT-2022) e o ambiente de trabalho dos policiais militares têm revelado altos índices (FGV, 2015), sendo as mulheres as maiores vítimas (RIBEIRO, 2018; CAPPELLE e MELO, 2010) e com elevada subnotificação (SILVA, 2018).
Hirigoyen conceitua o assédio como qualquer conduta abusiva (gesto, comportamento, palavra, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. A autora foi pioneira em apresentar casos reais de assédio moral e suas consequências: choque emocional, quando a vítima toma consciência da agressão e passa a sentir-se desamparada, ferida e angustiada, podendo levar a vítima a enfermidade mental ou, em casos extremos, ao suicídio (HIRIGOYEN, 2002).
O texto apresenta os resultados e conclusões da pesquisa de mestrado sobre o tema Assédio Moral na Polícia Militar do Amazonas (PMAM). Um relatório técnico contendo os achados da pesquisa foi encaminhado ao Comando da Instituição com a finalidade de colaborar para a elaboração de Política Institucional de prevenção e combate ao assédio moral.
Foi realizado um estudo quantitativo, transversal, com 563 policiais militares, de ambos os sexos, de todos os postos e graduações. Utilizou-se um questionário eletrônico, composto de variáveis sociodemográficas e profissionais, a Escala Laboral de Assédio Moral (RUEDA; BAPTISTA; CARDOSO, 2015) e perguntas complementares.
Conforme a tabela 1, a maioria dos participantes da pesquisa é do sexo masculino (77,7%), está situada na faixa etária a partir de 36 anos (68,4%), com média de 38 anos (dp 5.83), raça/cor parda (77,2%), casado (a) ou em união estável (70,3%), com grau de instrução especialização (56,9%), pertence ao quadro de praças (82,0%), trabalha no serviço operacional (56,3%), apresenta tempo de serviço na corporação de até 15 anos (61,5%), com média de 13 anos (dp 7.69) e não participou de palestra sobre assédio moral na corporação (84,7%).
Tabela 1 – Características sociodemográficas e profissionais dos participantes da pesquisa
Variável | Frequência | Percentual | |
Sexo | Masculino
Feminino |
437
126 |
77,7%
22,3% |
Faixa
Etária |
Até 35 anos
≥ 36 anos |
178
385 |
31,6%
68,4% |
Raça/
cor |
Amarela
Branca Indígena Parda Preta |
7
84 4 434 34 |
1,2%
14,9% 0,7% 77,2% 6% |
Estado
civil |
Casado (a)/união estável
Divorciado (a) Solteiro (a) Viúvo (a) |
396
50 112 5 |
70,3%
8,9% 19,9% 0,9% |
Grau de
instrução |
Ensino médio
Ensino superior Especialização |
97
146 320 |
17,2%
25,9% 56,9% |
Posto/
graduação |
Praças
Oficiais |
462
101 |
82%
18% |
Tipo de
serviço |
Administrativo
Operacional |
246
317 |
43,7%
56,3% |
Tempo de
serviço |
Até 15 anos
≥16 anos |
346
217 |
61,5%
38,5% |
Participou
de palestra |
Não
Sim |
477
86 |
84,7%
15,3% |
Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir dos dados coletados na pesquisa
A tabela 2 apresenta o desfecho do assédio moral, decorrente da aplicação da Escala Laboral de Assédio Moral. Da escala fazem parte 27 questões, divididas em três tipos de assédio moral: condições de trabalho, preconceito e humilhação.
Tabela 2 – Escala Laboral de Assédio Moral – desfecho de assédio moral
Tipo de assédio moral | Frequência | Percentual | ||
Condições de Trabalho | Sim
546 |
Não
17 |
Sim
97% |
Não
3% |
Preconceito | Sim
279 |
Não
284 |
Sim
49,6% |
Não
50,4% |
Humilhação | Sim
392 |
Não
171 |
Sim
69,8% |
Não
30,2% |
Todos os tipos | 406 | 157 | 72,1% | 27,9% |
Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir dos dados coletados na pesquisa
O assédio moral do tipo condições de trabalho se caracteriza por comportamentos relacionados às atribuições e à competência profissionais, visando à desqualificação da vítima no ambiente laboral. Foi o desfecho com maior incidência. Noventa e sete por cento dos policiais foram identificados como vítimas desse tipo de assédio.
O assédio moral do tipo preconceito está relacionado aos atos de intolerância e discriminação por características psicológicas ou físicas, como orientação sexual, cor e raça. Foi o desfecho com menor incidência: 49,6%. Entretanto, quase metade dos policiais foi identificada como vítima desse tipo de assédio moral.
Por fim, o assédio moral do tipo humilhação, que tem relação com os comportamentos de violência psicológica, perpetrados especialmente pela chefia, e visam ao constrangimento e à humilhação da vítima. Foram reconhecidos como vítimas desse tipo de assédio moral 69,8% dos militares.
Conclui-se que homens e mulheres sofrem assédio moral na Polícia Militar do Amazonas, mas as principais vítimas apresentam o seguinte perfil: são mulheres, situam-se na faixa etária de até 35 anos, computam tempo de serviço na corporação de até 15 anos, ocupam posições mais baixas na cadeia hierárquica (quadro de praças), trabalham no serviço operacional e nunca participaram de palestra sobre assédio moral na PMAM.
O quadro abaixo apresenta um breve resumo do caminho trilhado pelos policiais após se perceberem como vítimas de assédio moral na PMAM.
Quadro de perguntas complementares



Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir dos dados coletados na pesquisa
Observa-se que existe elevada subnotificação de denúncias, justificadas por diversos motivos, dentre os quais destaco: receio de represália, acreditar que nada seria feito, a falta de setor para denunciar e não saber a quem denunciar, transmitindo-nos a ideia de que as vítimas não confiam na instituição, tampouco se sentem acolhidas.
A falta de conhecimento sobre assédio também merece destaque, pois pode estar relacionada ao fato de a instituição não promover palestras sobre o tema (tabela 1). Portanto, apesar de elevados índices de assédio moral, as vítimas enfrentam dificuldades para denunciar porque não confiam na instituição, não se sentem acolhidas e não recebem palestras de orientação sobre o tema.
Por fim, destaca-se que os dados apresentados nesse texto foram coletados em maio de 2022 e no mês de abril de 2025 foi assinada uma Portaria de Enfrentamento ao Assédio no Âmbito da PMAM, cujo texto prevê uma equipe de acolhimento multidisciplinar às vítimas e um sistema de denúncia multiporta. Foi lançada também uma Cartilha Informativa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual no âmbito da PMAM. Acredita-se que os documentos simbolizam um novo olhar da instituição sobre os fatos.
Referências
Este texto é um recorte da Dissertação do Mestrado Profissional em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Amazonas, intitulado “Assédio Moral na Polícia Militar do Amazonas”, concluído em 2022, sob a orientação da Profa. Dra. Nathália França de Oliveira. Artigo completo sobre a pesquisa está disponível em: https://ojs.revistacontemporanea.com/ojs/index.php/home/article/view/2167/2414