As Mídias e a Ação Policial: a PRF
Pesquisa realizada por meio de parceria entre a Universidade Federal de Juiz de Fora (UNIPRF) e a Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal (UNIPRF) abordou, pela primeira vez, temas relacionados à PRF, dentre eles, o uso de câmeras por parte de seus integrantes
Vicente Riccio
Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Coordenador do mestrado em Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Augusto Souza
Doutor em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Departamento de Estatística da UFJF
Eduardo Magrone
Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Professor do Departamento de Educação da UFJF
Marcel de Toledo Vieira
Doutor em Estatística pela Southampton University. Professor do Departamento de Estatística da UFJF
Wagner Silveira Rezende
Doutor em Ciências Sociais e Educação pela UFJF. Professor do programa de mestrado em Direito e Inovação da UFJF
O registro e divulgação das ações de três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), responsáveis pela morte de Genivaldo de Jesus Santos em Umbaúba, no estado de Sergipe, despertaram indignação e revolta no país e no exterior. As fortes imagens da imobilização e do uso de gás lacrimogêneo no interior da viatura causaram impacto imediato e negativo. O recente desenvolvimento tecnológico contemporâneo ampliou as possibilidades de registro, armazenamento e compartilhamento de imagens. Desse modo, muitos espaços de ação policial tornaram-se públicos.
A comoção causada pelos vídeos da ação policial nos casos de Michael Brown (2014) e, mais recentemente, de George Floyd (2020) levou ao questionamento da ação policial, tendo em vista questões como legitimidade, racismo e pobreza. Em todos esses acontecimentos, a imagem registrada em vídeo foi central para desencadear ondas de protestos, mas também como elemento probatório no processo judicial. Dentre as medidas sugeridas para a redução da violência policial e do uso indevido da força, a adoção de câmeras nos uniformes e viaturas passou a ser considerada como instrumento para contenção desses problemas. O uso das câmeras foi recomendado pela Task Force estabelecida pelo então presidente Barack Obama para discutir o policiamento do século XXI e, desde então, diversos departamentos de polícia nos Estados Unidos passaram a utilizá-las.
Os recentes acontecimentos envolvendo a PRF trazem à tona o debate acerca do uso de câmeras pela polícia. De modo mais específico, a pesquisa realizada em uma parceria entre a Universidade Federal de Juiz de Fora (UNIPRF) e a Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal (UNIPRF) abordou, pela primeira vez, diversos temas relacionados à PRF, dentre eles, o uso de câmeras por parte de seus integrantes. A pesquisa foi realizada por meio de websurvey entre julho de 2019 e janeiro de 2020, em um universo de 10.540 policiais rodoviários federais (PRFs). A amostra contou com 532 respostas.
A análise dos dados permitiu observar uma instituição com um padrão particular de organização, com qualificação elevada e processo de renovação em curso. Por exemplo, dos respondentes, 54,8% possuem formação superior e 32,7% concluíram cursos de especialização lato sensu, face 1,7% de respondentes com apenas o ensino médio. De modo mais específico, em relação ao uso das câmeras, os resultados são interessantes e sugerem a abertura à sua utilização. A pesquisa tratou da percepção dos PRFs sobre o tema, pois não há uma política em curso na instituição.
Dentre as questões propostas, os entrevistados foram perguntados se a PRF utilizava câmeras em suas viaturas: 67,8% responderam nunca, e 22,9%, muito raramente. Perguntados sobre a utilização de câmeras acopladas ao uniforme: nunca 71%, muito raramente 13,3%, de vez em quando 8,14%. Outra informação relevante foi o fato de a maioria dos respondentes nunca ter observado uma ação sua ser questionada com base em um vídeo (91,5%). Por outro lado, os PRFs, perguntados sobre o uso de câmeras nos uniformes, consideraram-nas muito úteis (44,5%) ou úteis (30,9%). Ou seja, há uma visão positiva sobre seu uso. O mesmo pode ser observado sobre a presença de câmeras nas viaturas e a redução de desvios de conduta por parte do policial: 17,8% concordaram totalmente e 46,5% concordam com a afirmação.
Outro aspecto interessante é o fato de os entrevistados terem ressaltado o aumento do questionamento das ações da polícia a partir da expansão dos smartphones: 26,8% concordaram totalmente e 54,6% concordaram com tal tópico. Os PRFs também observaram o uso do smartphone pessoal como um meio de evitar questionamentos futuros. Essa percepção defensiva do uso do celular aparece da seguinte maneira na pesquisa: 5,29% concordaram totalmente, 29,1% concordaram e 26,7% concordaram pouco. Por fim, perguntados se a “PRF tem protocolos bem definidos para o registro em vídeo de suas ações”, os entrevistados responderam do seguinte modo: discordo totalmente 22,6%, discordo 44,3%, e discordo pouco 13,1%. Ou seja, a maior parte dos respondentes apontou para a necessidade de um protocolo para o uso da imagem no âmbito da PRF.
A pesquisa demonstra a possibilidade de construção de uma política para o uso das câmeras do âmbito da PRF. Existe um espaço de legitimidade para aplicação de tal instrumento no interior da instituição. O uso das câmeras, construído com planejamento eficaz, poderá ser fundamental para garantir maior transparência à ação policial, como também para sua proteção. A aplicação bem conduzida desses instrumentos poderá evitar problemas como o observado recentemente em Sergipe e promover maior transparência para as ações da instituição, especialmente na interação com os cidadãos.