Múltiplas Vozes

As experiências brasileiras de ensino policial e segurança cidadã*

Desde 2003, os Planos Nacionais de Segurança Pública passaram a formular uma concepção de educação policial orientada para a proteção dos direitos constitucionais e fundamentais do cidadão brasileiro

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José Vicente Tavares dos Santos

Professor Titular do Departamento de Sociologia, professor dos Programas de Pós-graduação em Segurança Cidadã, Sociologia e Políticas Públicas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, Porto Alegre; Pesquisador do CNPq (desde 1988). Pesquisador visitante do CALAS – Centro Maria Sibylla Merian de Estudios Latinoamericanos Avanzados, Universidad de Guadalajara/University of Bielefeld, México (2019-2020)

Carlos Roberto Guimarães Rodrigues

Doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Mestre em Segurança Cidadã pelo PPGSeg da UFRGS, Cel RR da BM/RS.

Com a redemocratização do Brasil e a entrada em vigor da Constituição Federal em 1988, buscou-se uma atuação policial voltada à segurança cidadã, conceito inicialmente adotado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 1994, quando foi expedido o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano.

O histórico de inovações brasileiras no ensino policial começou nos anos de 1980, com o professor Antônio Luiz Paixão, em seus estudos criminais, e a relação com a Polícia Militar de Minas Gerais, por meio da Fundação João Pinheiro. Em seguida foram organizados os primeiros cursos de direitos humanos para policiais.

Nas universidades federais, no caso da UFRGS, esse diálogo começou em 1993 com um seminário nacional. Entre 1995 e 1996, foi realizado, junto ao IFCH, o primeiro curso de especialização em violência, segurança pública e cidadania, seguido por mais oito edições. Na UFF, na mesma época, Roberto Kant de Lima iniciou cursos para policiais que foram se ampliando com o passar dos anos e hoje há um Departamento de Segurança Pública.

Em 2003, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) começou a elaborar uma Matriz Curricular Nacional (MCN), com ampla participação de policiais, gestores e acadêmicos, contando com duas atualizações, uma que iniciou em 2005 e uma versão ampliada em 2014.

Desde 2003, os Planos Nacionais de Segurança Pública passaram a formular uma concepção de educação policial orientada para a proteção dos direitos constitucionais e fundamentais do cidadão brasileiro.

Nesse processo histórico, podemos registrar alguns acontecimentos que deixaram marcas, desilusões e esperanças. Primeiro, observamos as experiências de “escolas integradas”, tanto no Instituto de Ensino de Segurança Pública, no Pará, quanto no Rio Grande do Sul, no governo Olívio Dutra.

A segunda experiência inovadora no ensino policial consistiu em cursos de especialização envolvendo a temática segurança pública e cidadania, desde 1995 na UFRGS e na UFF, ampliando-se depois a dezenas de Universidades. Recentemente, a UFF criou um curso de bacharelado em segurança pública e um instituto de segurança pública.

A terceira experiência foi a implementação da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp), iniciando suas atividades com o edital de credenciamento/2005-Senasp/MJ, no projeto piloto da UFBA, que coordenou a primeira turma de pós-graduação em segurança pública pautada na MCN. A Renaesp foi instituída oficialmente só em 2012, por meio da Portaria nº 1.148/2012, justificada pelas necessidades de: fomentar estudos e pesquisas voltados à modernização das instituições policiais; valorizar esses profissionais, incentivando-os a participarem de cursos; promover estudos, pesquisas e indicadores sobre violência, criminalidade e outros assuntos relacionados à segurança pública; e fortalecer a articulação com instituições de ensino superior na promoção da capacitação em segurança pública.

Chegaram a funcionar 85 cursos de especialização em segurança pública, direitos humanos e cidadania, em 63 Instituições de Ensino Superior, tendo como alunos profissionais da segurança pública e o público em geral. Estima-se que, entre 2005 e 2015, foram diplomados oito mil especialistas em 150 cursos, nas várias regiões brasileiras.

Em quarto lugar, desde a elaboração da MCN, de 2003 até 2014 pela Senasp, houve experiências de inovação curricular, de processos de ensino-aprendizagem, de metodologias didáticas e de integração institucional nas Escolas e Academias de Polícia.

Em quinto lugar, houve a proposta de uma Escola Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública apresentada em 2016 pela Senasp, em parceria com a Capes. Seria localizada em Brasília, em articulação com as Instituições Federais de Ensino Superior que apresentassem projetos de mestrado profissional. Foram realizados mestrados profissionais nesta área na UFPA, IFNMT, UEA, UFBA, UFRGS e UFS.

Em sexto lugar, o ensino policial foi definido como um dos temas na publicação “Agenda de Segurança Cidadã: por um novo paradigma”, produzido pela Câmara dos Deputados, em 2018, inserindo a valorização educacional no eixo que trata da reestruturação dos sistemas policiais, com as seguintes propostas: a) criar a Escola Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública; b) estabelecer parceria com a Universidade Aberta do Brasil para apoiar cursos superiores de tecnologia em segurança pública, a fim de qualificar os profissionais que não tenham curso superior; c) construir um centro de excelência em ensino e valorização dos profissionais de segurança pública para aumentar a qualificação; d) resgatar a Renaesp; e e) continuar a atualização da MCN.

Percebe-se que o ensino policial no Brasil, embora tenha apresentado avanços, enfrentou inúmeros desafios, sendo que a maioria das políticas adotadas continuam vigentes.

*Texto adaptado do artigo publicado na RBSP; acesso em: Vista do Ensino policial e segurança cidadã (forumseguranca.org.br)

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