As 53 facções criminosas brasileiras
Não é segredo que o PCC é a maior facção do país, com ação transnacional. Ele não age apenas na compra de maconha e cocaína de países produtores, mas também exporta toneladas de drogas para Europa, África e Ásia
Luís Adorno*
Repórter do núcleo de jornalismo investigativo da Record TV
Tiago Muniz
Repórter do núcleo de jornalismo investigativo da Record TV
Nos becos, vielas e quebradas. Em mansões, apartamentos de alto padrão e carros de luxo. Nas regiões de portos e na fronteira seca. No mar, em rios, na terra e no ar. Não existe um local no Brasil em que não haja a presença e a atuação de organizações criminosas. O país tem pelo menos 53 facções criminosas em atividade, com registros de atuação nas 27 unidades federativas. Com base em investigações e monitoramentos de diferentes órgãos dos governos federal e estaduais – como Polícia Federal, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e secretarias de Segurança, além de promotorias e tribunais de Justiça-, o dado foi compilado durante viagens realizadas às cinco regiões do Brasil, no segundo semestre de 2021, pelos repórteres Luís Adorno, Tiago Muniz e Márcio Neves, com coordenação de Thiago Samora e chefia de André Caramante, por meio do Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV.
O Ministério Público paulista contabiliza que há pelo menos 35 mil integrantes na maior organização criminosa do país. Nascido em São Paulo em 31 de agosto de 1993, motivado, entre outros fatores, pelo Massacre do Carandiru, ocorrido em outubro de 1992, o PCC avançou para outros estados e países com o passar do tempo. Em pleno processo de cartelização, a facção paulista tenta estabelecer uma lavagem de dinheiro refinada e se conecta a outras organizações criminosas ao redor do mundo, como, por exemplo, a máfia italiana ‘Ndrangheta, tida por autoridades europeias como a organização criminosa mais influente em atividade no mundo. Não é segredo que o PCC é a maior facção do país, com ação transnacional. Ele não age apenas na compra de maconha e cocaína de países produtores, mas também exporta toneladas de drogas para Europa, África e Ásia por meio de navios de carga que atracam na costa brasileira.
Já o Comando Vermelho, que é a facção mais antiga do país, ocupa o posto de segunda maior do Brasil. Apesar de ter sido a primeira a chegar ao Paraguai, onde busca drogas e armas, o CV não tem tradição de exportar cocaína para outros continentes – apesar de haver registros de envio de droga para fora. Das 27 unidades federativas do país, apenas quatro têm o domínio de uma só facção em seu território: São Paulo, Mato Grosso do Sul e Piauí têm como facção predominante o PCC. Já o Mato Grosso é dominado apenas pelo CV. Dados do segundo semestre de 2021 apontam registros de conflitos violentos dentro do sistema penitenciário em pelo menos 11 estados. E, no mesmo período, em pelo menos nove unidades da federação as facções se enfrentavam nas ruas. Esses registros, no entanto, são voláteis. De lá para cá, esses choques podem ter cessado, se ampliado ou outras dinâmicas locais podem ter surgido.
No Sudeste, as principais facções criminosas em atividade, além do PCC e do CV, são a Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro, Primeiro Comando de Vitória e Trem Bala. Os dados compilados não incluem milícias. Facções e milícias são organizações criminosas. O que diferencia os dois grupos, apesar das semelhanças, é a ligação intrínseca das facções com os presídios, enquanto as milícias têm elos com polícias.
Na região Norte, o estado amapaense concentra facções locais mais fortes –e mais violentas- do que as também presentes PCC e CV. As locais são: Família Terror do Amapá, Amigos Para Sempre e União do Crime do Amapá. As cinco facções e uma polícia que nunca teve um policial condenado por excesso são as razões pelas quais anualmente o Amapá figura entre os estados mais violentos, proporcionalmente, do país.
Além das facções amapaenses, uma das principais atuantes no Norte do país é a Cartel do Norte (antiga Família do Norte), tida como a principal da região. Ela tem como base o Amazonas, mas há ramificações registradas em áreas do Pará. No Acre, PCC, Bonde dos 13 e Ifara são as facções que fazem frente ao CV.
Estruturado por Fernandinho Beira-Mar quando esteve no presídio federal de Porto Velho, o CV é a facção criminosa mais antiga em Rondônia, com registros de presença desde pelo menos 2009. Lá, existem núcleos duros do grupo nas cidades de Ariquemes e Vilhena. O PCC se instalou em meados de 2012, com núcleos em Rolim de Moura e Cacoal. A rivalidade entre PCC e CV é maior dentro das cadeias do que nas ruas.
Já Roraima é dominado pelo PCC depois de a facção ter exterminado integrantes do CV e do CDN. Há poucas disputas territoriais, já que o mercado local é fraco. Lá, o PCC é voltado para os negócios com grupos da Venezuela e da Guiana. Indígenas são tidos como público-alvo para o tráfico de maconha, de acordo com as autoridades de segurança pública locais.
No Pará, o PCC foi detectado em 2006, está bem estruturado e segmentado. Seu principal inimigo é o CV, já seu principal aliado é o Comando Classe A. A facção paulista é influente dentro dos presídios, mas não hegemônica nas ruas. Já o CV foi detectado em 2009 e, atualmente, é a principal facção do estado. Ainda no Pará, há a presença do CDN, que é menor do que o PCC e o CV. Sem alianças, está quase em extinção na localidade. O CCA, também conhecida pela sigla 331, surgiu em Altamira, onde é tida até hoje como muito forte.
Em Tocantins, o PCC era absoluto até 2009. Depois de uma rebelião ocorrida naquele ano, lideranças da facção foram transferidas para o sistema penitenciário federal. Com isso, o CV se fortaleceu no local, chegando a ser a maior facção até 2016. Em 2018, o PCC voltou a se recuperar no território e é, até hoje, a facção predominante no local. O estado é usado pelas duas facções como um local de entreposto da cocaína que chega dos países produtores. O clima é tido como tenso entre as duas facções dentro e fora dos presídios.
Quanto à região Nordeste, no estado do Ceará a atuação das facções possui dinâmica diferente. Na periferia de Fortaleza, estar livre não quer dizer o mesmo que ser livre. Você pode estudar, trabalhar e ter uma família bem estabelecida. E, mesmo assim, não ser livre o suficiente para atravessar uma rua, frequentar uma escola ou ir para um posto de saúde. Isso acontece se você mora em um bairro dominado por uma facção e precisa se dirigir a um bairro dominado por outra facção. Esse é o principal fenômeno criminal estipulado pelas facções Guardiões do Estado, PCC e CV no estado cearense.
Já na Bahia, existe uma forte conexão do crime organizado com o chamado “Novo Cangaço” – termo que é controverso. Alguns especialistas preferem chamar o fenômeno de “domínios/tomadas de cidade”. Quinto maior estado da federação, a Bahia tem a ação forte de facções criminosas nas grandes cidades. No entanto, a conexão delas com o interior se dá principalmente a partir dos grandes assaltos em pequenos municípios. Entre as facções locais, uma delas tem se especializado nesse tipo de crime, inclusive agindo em outros estados do país, em ações midiáticas. Trata-se do Bonde do Maluco.
Saindo da Bahia, no Maranhão o Bonde dos 40 surgiu entre 2010 e 2011, e foi detectado pelas autoridades em janeiro de 2014. A área de atuação da facção, que se originou em presídios de São Luís, se restringe ao estado. Seu principal concorrente é o CV. Por isso, para hegemonia territorial, é aliada no Maranhão ao PCC. No Rio Grande do Norte, fundada em 27 de março de 2013, o Sindicato do Crime é uma dissidência do PCC. Mais armado, tem estrutura semelhante à do PCC, tido como seu principal inimigo. Como estratégia, a facção tenta cooptar integrantes do PCC e vende drogas com preço mais barato. As autoridades apontavam a facção como a maior do Nordeste contra o PCC. No Piauí, Pernambuco e Sergipe, o PCC é a maior facção local.
Na Paraíba, a Nova Okaida é grupo criminoso dissidente da Okaida, fundada em 2002. É a facção com mais integrantes e com maior domínio territorial no estado. Não é associada ao PCC nem ao CV, embora não seja inimiga, e tem a maioria dos pontos de venda de drogas de João Pessoa e região metropolitana. Sua principal inimiga é a facção Estados Unidos, fundada em meados de 2008. Ela é formada por dissidentes e opositores da Okaida.
O Centro-Oeste brasileiro é o principal ponto de entrada e de passagem do tráfico de drogas e de armas do Brasil. Autoridades públicas federais apontam que cerca de 80% da cocaína e maconha que entram no país passam, antes, por ali. No Mato Grosso do Sul, o PCC domina. No Mato Grosso, o CV. Goiás tem uma disputa entre as duas facções e a facção local Família Monstro. E o Distrito Federal tem, além das duas nacionais, a facção local Comboio do Cão.
Na região Sul, as facções locais costumam se aliar às duas nacionais e inauguraram, há pouco, uma nova rota do tráfico internacional de cocaína. Com as crescentes apreensões no porto de Santos e nos portos do Nordeste brasileiro, as facções nacionais agora tentam chegar aos portos do Uruguai e da Argentina. Para isso, acontecem confrontos. Mas, antes de essa logística vigorar, já existiam dezenas de facções, sobretudo no Rio Grande do Sul, disputando espaços dentro e fora das prisões. Construída na década de 1950, a Cadeia Pública de Porto Alegre, conhecida principalmente pelo antigo nome, de Presídio Central, é controlada, efetivamente, pelos presos. A organização do crime gaúcho começou por dentro, indo para fora com o fortalecimento do tráfico de drogas ao longo dos anos 1990.
Texto em versão condensada. Para obter a versão originalmente publicada na Edição Especial Eleições do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, acesse: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/sites/2/2022/07/anuario-2022-ed-especial.pdf