Luis Flavio Sapori
Professor da PUC-MG e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O ano de 2024 termina sem avanços relevantes no campo da segurança pública. Há uma inércia institucional que tem naturalizado a percepção de que estamos lidando com um problema público sem solução. Iniciamos o ano com a fuga de presos no presídio federal de Mossoró (RN) e estamos terminando com as imagens de atos de barbárie explícita por parte de policiais militares paulistas. Nesse interregno, a guerra particular entre traficantes e policiais no Rio de Janeiro permaneceu na mesma toada. Mortes lá, mortes cá e balas perdidas vitimizando inocentes.
É fato que a tendência da redução de homicídios observada no país nos últimos anos deve perdurar no corrente ano, o que é positivo, sem dúvida alguma. Entretanto, não há o que comemorar, considerando que o fenômeno está muito relacionado à cristalização da governança criminal por parte das dezenas de facções do tráfico de drogas que se distribuem pelo território nacional. Trata-se, portanto, de uma pacificação bastante instável, estando dependente da eventual solução violenta de conflitos na dinâmica do mercado ilícito das drogas.
Para não me acusarem de excessivo pessimismo, devo reconhecer os esforços meritórios de alguns governos estaduais na redução da criminalidade violenta, algo que vem ocorrendo também há alguns anos. Destaco as políticas públicas de segurança em curso nos estados da Paraíba, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. São exemplos de boas práticas de gestão pública no setor que estão a merecer a devida avaliação de processo e de resultados por parte da comunidade científica. O caso de Goiás ainda é uma incógnita. O governador Ronaldo Caiado aufere elevados patamares de aprovação popular devido à sua atuação supostamente exitosa na segurança pública, mas não sabemos ainda o quanto e o como tais resultados estão sendo obtidos.
No âmbito do governo federal, a mudança na cadeira de ministro da Justiça e Segurança Pública implicou a retração do tema no Palácio do Planalto. Lewandowski apresentou estilo de gestão muito distinto em relação a Flavio Dino, especialmente no que diz respeito ao menor protagonismo no debate público. A gestão Lewandowski busca estabelecer sua marca com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propugna a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) além da ampliação das atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Mas tudo leva a crer que a PEC não encontra respaldo em boa parte dos governadores, tampouco na própria chefia do executivo federal, estando parada nas gavetas do Ministério da Casa Civil. Não se deve descartar a possibilidade de curta permanência no cargo por parte do atual ministro Lewandowski, dado que sua insatisfação é cada vez mais notória.
Como nos ensina a sabedoria popular, a última imagem é a que fica. Nesse sentido, finalizamos 2024 com a confirmação de quão grave é a situação da letalidade policial no Brasil. Os casos da Polícia Militar de São Paulo (PMSP) que vieram a público não são isolados e muito menos restritos ao território paulista. Tudo leva a crer que vamos terminar 2024 com um patamar de letalidade policial superior ao do ano passado, infelizmente. Eis um desafio enorme a ser enfrentado, pois quanto mais a polícia mata como recurso de controle da criminalidade, mais sujeita fica aos efeitos perversos da corrupção e da milicialização.
Mas algo positivo pode resultar de toda essa mazela. A repercussão pública negativa dos policiais fazendo justiça com as próprias mãos está abrindo janela de oportunidade para a defesa de medidas mais efetivas de controle da atividade policial. Ganha força institucional a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares brasileiros, sendo que o mea culpa do governador Tarcísio de Freitas sinaliza apoio político relevante para a adoção dessa tecnologia. Há grande possibilidade de o próximo ano se caracterizar pela disseminação do uso das câmeras corporais nos diversos estados brasileiros, a despeito das resistências ainda notórias por parte de lideranças políticas e policiais. Seria importante avanço institucional, caso venha a se concretizar.
Finalizo minha análise destacando o que entendo ser a principal agenda para a segurança pública em 2025. É preciso operacionalizar o SUSP mediante a criação de uma instância de gestão colegiada que viabilize a integração de esforços entre União, Estados e Municípios. A PEC proposta pelo Ministro Lewandowski tem o mérito de constitucionalizar o SUSP, mas peca por atribuir à União poder para determinar diretrizes aos demais entes federados. Isso é inviável politicamente e desnecessário institucionalmente. Transformar o SUSP em realidade prática implica assumir a premissa da governança colegiada através da qual as decisões são tomadas consensualmente. Pode parecer para muitos que essa questão é meramente acadêmica e não afeta diretamente o cotidiano da população. Argumento, contudo, que a nossa segurança do dia a dia só se tornará mais efetiva e duradoura a partir do momento em que viabilizarmos a integração e a cooperação entre as organizações da segurança pública e da justiça criminal. O Estado precisa se organizar para enfrentar o crime organizado. Para tanto, a criação de um mecanismo de gestão colegiada no âmbito do SUSP é passo imprescindível.