Perícia em evidência

Alec Baldwin: as lágrimas reais da indústria da fantasia geradas por um acidente com arma de fogo

Infelizmente, a atual tendência de crescimento do número de armas de fogo adquiridas no Brasil, em algum momento, vai influenciar no incremento das estatísticas de violência

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No último dia 21 de outubro o noticiário internacional repercutiu a morte de uma integrante da equipe de filmagens de uma produção americana. A diretora de fotografia Halyna Hutchins, de 42 anos, foi atingida por um projétil de arma de fogo e morreu no set de filmagem do filme Rust. O projetil foi disparado por uma arma cenográfica acionada pelo famoso ator Alec Baldwin, deixando ferido ainda o diretor do filme, Joel Souza, de 48 anos.

Desde a trágica ocorrência, o fato tem sido tratado como um acidente com arma de fogo. A princípio a arma, um revólver cenográfico, deveria estar municiada por munição denominada “de festim” (usadas ​​na indústria cinematográfica para imitar munição real), que não possui um projétil. O revólver acabou sendo alimentado com munição real e o disparo efetuado expeliu um projétil de chumbo, causando a morte da vítima.

Acidentes com arma de fogo não são incomuns, e, especificamente em relação a ocorrências durante filmagens, alguns casos foram marcantes, como a morte do ator Brandon Lee, que, com apenas 28 anos em 1993, acabou falecendo durante as filmagens do filme “O Corvo“, quando uma arma cenográfica, também carregada por engano com uma munição real, foi disparada contra ele.

No universo pericial os eventos que envolvem acidentes com armas de fogo são sempre casos complexos e que envolvem exames minuciosos e detalhados. Tudo começa com o próprio exame de local de crime, onde tudo é descrito, fotografado, registrado e os vestígios relacionados são encontrados, identificados e coletados. No caso em questão, as informações divulgadas na mídia dão conta que um projétil de arma de fogo foi recuperado, não no local do fato propriamente dito, mas sim no corpo da segunda vítima atingida (o diretor Joel Souza) onde alojou-se no ombro.

Por essas informações, podemos deduzir que um mesmo projétil teria atingido a vítima fatal e a vítima que sobreviveu. Também podemos esperar que no set tenha ocorrido um único disparo de arma de fogo relacionado ao evento. Esse projétil teria transfixado o corpo da diretora de fotografia Halyna Hutchins e em seguida atingido o diretor.

Mesmo com as informações testemunhais, ainda será preciso submeter esse projétil coletado do corpo do diretor a um exame de confronto balístico para que se possa ter a certeza de que esse projétil foi expelido da arma questionada.

Outros exames essenciais neste caso serão: o exame de eficiência da arma, que vai atestar que este artefato se encontrava eficiente para expelir projéteis de arma de fogo, além de ter todos seus mecanismos em perfeito estado (travas de segurança, por exemplo).

Nos casos de exames em armas de fogo envolvidas em acidentes, as autoridades requisitantes dos exames podem ainda formular quesitos específicos, visando a esclarecer pontos importantes, muitas vezes orientados pelos detalhes de cada caso em específico. Um exemplo de um possível quesito seria a resposta à seguinte pergunta: qual a força necessária para o acionamento do gatilho da arma envolvida no fato?

Não menos importante será o exame cadavérico, ou seja, os resultados da necrópsia no corpo da diretora de fotografia. Esse laudo deve trazer os detalhes das lesões perfurocontusas de entrada e de saída, evidenciando o trajeto percorrido pelo projétil no interior do corpo da vítima, as estruturas e órgãos atingidos e finalmente especificar a causa da morte. Tais dados serão fundamentais para a reconstituição completa da dinâmica de como o fato se deu.

Uma questão fundamental a ser pensada é a de que, se a ocorrência do acidente com arma de fogo efetivamente se deu, protocolos de segurança falharam. As investigações tentarão demonstrar quais foram as falhas e quem foram os responsáveis. Armas de fogo são artefatos mecânicos que, ao serem empregados, expelem objetos de altíssima capacidade lesiva, que são os projéteis. Seu manuseio deve ser realizado somente por pessoas preparadas e devidamente treinadas.

No Brasil temos acompanhado as estatísticas desse tipo de ocorrência e infelizmente a atual tendência de crescimento do número de armas de fogo adquiridas, em algum momento futuro, vai influenciar no incremento desses números. Eventos como o discutido nessa matéria devem servir de alerta para que não nos esqueçamos de que as armas foram feitas para matar e ferir e que seu emprego deve ser controlado e disciplinado.

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