AÇÕES POLICIAIS E USO DE ALGEMAS: Mudanças com a adoção da Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal
O uso das algemas não é proibido, porém elas não podem ser usadas de forma indiscriminada, mas como exceção, passando a ser necessária, por parte do policial, a justificativa por escrito sempre que houver algemação
Marlene Inês Spaniol
Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS, Oficial RR da Brigada Militar/RS, Integrante do GPESC e do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Carlos Roberto Guimarães Rodrigues
Doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Mestre em Segurança Cidadã - UFRGS e Oficial RR da Brigada Militar/RS
A Constituição Federal de 1988 não fez menção direta ao uso de algemas, porém proíbe taxativamente o tratamento desumano ou degradante no artigo 5º, III e assegura, no inciso XLIX, o respeito à integridade física e moral dos presos.
O uso de algemas é controverso, sendo que já há restrições legais, como a Lei nº 13.869, de 5/09/2019, que dispôs sobre o abuso de autoridade e revogou a Lei nº 4.898/65; o art. 199 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210, de 11/07/1984), regulamentada pelo Decreto nº 8.858, de 26/09/2016; e os art. 284, 292 e 474 (§ 3º) do Código de Processo Penal (Lei nº 3.689, de 03/10/1941).
O seu uso passou a ser ainda mais limitado com a adoção da súmula vinculante nº 11/2008 pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 13/08/2008, com o seguinte teor: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Esta súmula foi adotada depois de uma série de operações que culminaram com prisões de políticos e empresários mostrados algemados na mídia, o que gerou muitas discussões acerca do seu uso, sobre o que seria legal, coerente, necessário e o que seria excesso, abuso ou exibicionismo. Houve manifestações de representantes de segmentos sociais que entenderam que o uso de algemas feria princípios constitucionais e que era atentatório ao estado democrático de direito vigente no Brasil, como, por exemplo, constou numa publicação de editorial no dia 25 de julho de 2005, no jornal “O Estado de S. Paulo”, que abordou o uso indiscriminado de algemas, a exposição desnecessária dos detidos, nas ações da polícia federal, nos jornais e na televisão.
Na esteira destes fatos, juristas e doutrinadores passaram a expor suas ideias sobre o uso de algemas, dentre eles Moreira (2006), que, num artigo intitulado “algemas para quem precisa”, manifestou que a utilização de algemas não pode ser feita indiscriminadamente e sem a observância de alguns critérios técnicos a serem analisados caso a caso. Neste mesmo sentido posicionou-se outro operador do direito, Medeiros (2006), ao criticar abertamente o uso indiscriminado de algemas pelos policiais nestas operações, caracterizando-as como abusivas e arbitrárias.
Como resposta a estas manifestações, as operações policiais midiáticas e na sequência da decisão proferida pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista, em São Paulo, no dia 07/08/2008, no Habeas Corpus nº 91.952 em que o Plenário do STF anulou a condenação do pedreiro Antonio Sérgio da Silva, pelo fato dele ter sido mantido algemado durante todo o seu julgamento, sem que a juíza daquele tribunal apresentasse uma justificativa convincente para o caso, o STF editou a Súmula Vinculante nº 11, de 13/08/2008, arrazoando-a na garantia dos princípios constitucionais afetos à dignidade da pessoa humana, no respeito à sua integridade física e moral, além de limitar ações arbitrárias e abusivas dos tribunais e dos agentes de segurança das polícias brasileiras nos julgamentos e prisões de acusados (MELLO, 2009, p. 487; SPANIOL, 2010, p. 12).
Os operadores dos órgãos de segurança pública têm no uso das algemas um dos seus instrumentos de trabalho, sendo que o seu uso é mais comum em abordagens e prisões. É necessário, porém, que sua utilização seja sempre devidamente motivada, evitando abusos ou formas vexatórias; para tal, exigem-se sempre preparo, aperfeiçoamento e bom senso na hora da atuação policial.
Com a adoção da Súmula Vinculante, o uso de algemas passou a ser admissível em situações específicas: 1) No caso de resistência a ordem legal; 2) No caso de fundado receio de fuga; e 3) No caso de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros. Nos relatórios operacionais produzidos, uma ou mais destas justificativas deverá estar presente.
Esta mudança em relação ao uso de algemas foi repassada aos policiais antigos em instruções e treinamentos específicos, como também aos policiais em formação, no sentido de salvaguardar a ação policial e a legalidade da sua atuação, destacando aos futuros agentes que o ato de justificar o uso da algema não pode ser visto como um castigo ou prejuízo da ação e sim como uma forma de preservação e legitimação da sua atuação.
Depreende-se da súmula que o uso das algemas não é proibido, porém elas não podem ser usadas de forma indiscriminada, e sim como exceção, passando a ser necessária, por parte do policial, a justificativa por escrito sempre que houver algemação, sob pena de tripla responsabilização do agente, ou seja, na esfera administrativa, civil e penal, além de ser passível a responsabilidade estatal, uma vez que esses profissionais agem em nome do Estado.