Múltiplas Vozes 12/07/2023

A Terra Indígena Yanomami ainda não está livre dos invasores

As frentes de garimpagem na TIY consistem em milhares de iniciativas individuais, sem um controle central coordenando esses trabalhos

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Rodrigo Chagas

Professor do curso de Ciências Sociais da UFRR e pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No mês passado, a Polícia Federal (PF) destacou uma redução significativa das atividades de garimpagem na Terra Indígena Yanomami (TIY), com os alertas de garimpo tendendo a zero pela primeira vez. Por meio de análises das imagens de satélite, constatou-se que cessou o crescimento de novas áreas desmatadas e a cor de alguns rios da região também mudou. No entanto, é importante ressaltar que tais informações não significam que a garimpagem na TIY tenha acabado, e é preciso evitar equívocos quanto à presença do narcotráfico.

As frentes de garimpagem na TIY consistem em milhares de iniciativas individuais, sem um controle central coordenando esses trabalhos. Podemos classificar essas iniciativas de acordo com o volume de investimentos: grande, médio, pequeno e micro. As grandes áreas com devastação são exploradas com retroescavadeiras, e representam os grandes investimentos. Devido ao impacto que causam, essas seriam as primeiras iniciativas a serem combatidas, o que explica o bloqueio de cerca de 138 milhões de reais nas contas dos suspeitos e responsáveis.

Os pequenos e micro investimentos geralmente envolvem células de produção compostas por seis pessoas, operando um par de máquinas ou uma balsa. Um empresário de pequeno porte se apossa de um território e opera uma ou duas dessas células, enquanto um micro investidor arrenda um lote desse posseiro e opera máquinas menos potentes. Dessa forma, essas células podem estar isoladas ou agrupadas em condomínios, onde vários “barrancos” estão vinculados a um posseiro.

Normalmente, um conjunto de condomínios e células soltas se organiza em torno de pistas e portos clandestinos. Esses pontos também abrigam as chamadas “corrutelas”, que incluem uma cantina, um cabaré e um ponto de acesso à internet. São espaços de chegada e saída de cargas e pessoas, além de proporcionar lazer. Essa estrutura de serviços e comércios é de grande relevância na TIY devido à dificuldade de acesso à região, sendo uma das principais fontes de acumulação de excedentes. Tradicionalmente, esses são os alvos das operações realizadas pelo Ibama e outros órgãos de segurança.

Para completar o quadro, é importante destacar a presença de investidores de médio porte, que têm a capacidade de operar com helicópteros e, assim, dispensam a estrutura logística das pistas e portos. Em alguns casos, esses investidores possuem quatro ou cinco células de garimpo dispersas e mantêm uma rotina semanal de logística para transporte de pessoas, máquinas e insumos. Dessa forma, operam de maneira mais discreta e o impacto tende a ser diluído.

É relevante destacar esses investimentos de médio porte, pois, de acordo com a Hutukara Associação Yanomami, ainda há um intenso movimento de helicópteros partindo da Venezuela para operar frentes de garimpo na região de Auaris, por exemplo. Vale ressaltar que a TIY é equivalente ao tamanho de Portugal e o controle efetivo da situação não é simples.

Acerca da presença ou não do narcotráfico, segundo um delegado da PF, durante debate no 17º Encontro do Fórum de Segurança Pública, nenhum dos investidores milionários que estão sendo alvo das operações são membros de facções, fato que leva a instituição a não acreditar que o narcotráfico controle o garimpo.

No entanto, os diversos indícios sobre a atuação das facções na TIY, obtidos em pesquisas de campo qualitativas, apontam que elas: 1. Aproveitam a logística vinculada às frentes de garimpagem para o narcotráfico; 2. Dominaram algumas corrutelas e estavam envolvidas também na exploração sexual; 3. Estão envolvidas em questões de segurança (ou extorsão) de empresários; 4. Utilizam o ouro como meio de lavagem de dinheiro; 5. Existem indícios, embora poucos dados, de que operam em células ou condomínios de exploração de ouro.

A TIY, para os faccionados, é considerada um território sob o domínio do Primeiro Comando da Capital (PCC), sendo que o grupo atribuiu até mesmo um código de área a ela. Além disso, os relatos sobre a presença da facção em áreas de garimpo aumentaram significativamente entre 2019 e 2023, com dois casos de confrontos armados. O que pode indicar que estavam ganhando força no momento em que a intervenção federal foi iniciada.

Em resumo, as informações apresentadas pela Polícia Federal são encorajadoras, principalmente porque, segundo informado, estão sendo criadas condições para um trabalho permanente. No entanto, é importante ressaltar que a Terra Indígena Yanomami ainda não está livre dos invasores e que os povos da região continuam sofrendo com o impacto dessas atividades criminosas.

 

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