Marlene Inês Spaniol
Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS, Integrante do GPESC e do Conselho de Administração do FBSP, Oficial da Reserva Remunerada da Brigada Militar/RS e Professora do PPGSeg da UFRGS
Ana Carolina da Luz Proença
Doutoranda em Ciências Criminais (PUCRS), bolsista CAPES, Mestre em Direito e Sociedade (La Salle), autora do livro “Entre Celas e Muros”, e integrante Comitê Interinstitucional de Crise do Sistema Prisional do TJRS, representando a Frente dos Coletivos e Sociedade Civil
Carlos Roberto Guimarães Rodrigues
Doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Mestre em Segurança Cidadã-IFCH-UFRGS, Coronel da Reserva Remunerada da Brigada Militar/RS e Secretário de Segurança Institucional do TJRS
O mês de maio de 2024 entrará para a história do Rio Grande do Sul motivado pela ocorrência da maior tragédia climática de que se tem notícia, fazendo retornar às nossas memórias relatos de pais e avós sobre a temida enchente que havia devastado o nosso Estado no ano de 1941.
A tragédia climática de 2024, além de ter sido mais grave em termos de volume de água, está sendo também muito mais abrangente em relação à área territorial atingida, pois, segundo estimativa da Defesa Civil do estado, mais de 2,2 milhões de pessoas foram afetadas e, dos 497 municípios que compõem o RS, 461 tiveram transtornos causados pelas enchentes, o que representa mais de 90% do território gaúcho.
Uma calamidade destas proporções exige esforços conjuntos e ações imediatas por parte dos integrantes dos órgãos de segurança pública, entre elas:
1) O auxílio das instituições de segurança pública de vários estados da Federação e das Forças Armadas
Segundo dados divulgados pelo governo gaúcho à imprensa, vários estados se mobilizam para ajudar com o envio de bombeiros, cães farejadores, veículos e aeronaves. Dentre os estados que enviaram ajuda estão: Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso, Alagoas e Pernambuco, além do Ceará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Sergipe.
Está havendo também reforço das Forças Armadas, cujas ações incluem o envio de veículos e oficiais para resgate de vítimas, a entrega de donativos e o tratamento de feridos. A Marinha, com navios, viaturas anfíbias e apoio direto dos fuzileiros navais; o Exército atuando por terra diretamente nas áreas mais atingidas, nas buscas por desaparecidos, construindo pontes e hospitais de campanha; e a Aeronáutica, com o uso intensivo da Base Aérea de Canoas para o transporte de reforços, de donativos e de passageiros, devido à interdição total do Aeroporto Salgado Filho. O RS conta também com o apoio da Força Aérea do Uruguai, que enviou uma equipe de oito pessoas, entre pilotos, copilotos, técnicos e socorristas.
2) A criação do Programa “Mais Efetivo” pela Brigada Militar/RS
Em decorrência da decretação de Estado de Calamidade Pública, conforme Decreto nº 57.596, de 1º de maio de 2024, reiterado pelo Decreto 57.600, de 4 de maio de 2024, e com a finalidade da manutenção e da preservação da ordem pública nos municípios afetados pelos eventos climáticos e para apoiar e atuar diretamente na segurança dos mais de 700 abrigos criados para receber os milhares de desabrigados das enchentes, foi criado o “Programa Mais Efetivo”. A iniciativa visa designar, inicialmente por 90 dias, mil militares estaduais que integram a reserva remunerada da corporação, com o objetivo de complementar o efetivo da Brigada Militar que está atuando durante as enchentes no RS, principalmente para garantir a segurança das pessoas que estão nos abrigos temporários e evitar práticas delituosas nestes espaços.
3) A Criação do Comitê Interinstitucional de Crise do Sistema Prisional
No dia 9 de maio de 2024, o Judiciário gaúcho, mediante Ato nº 089/2024-CJG, instituiu, no âmbito da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do RS, o Comitê Interinstitucional de Crise do Sistema Prisional, iniciativa implementada em decorrência da calamidade e urgência de medidas, pois o sistema prisional também foi bastante afetado pelas enchentes.
Esta iniciativa determinou, no Art. 1º, que tal composição do grupo fosse formada pelos seguintes representes: I – A Corregedora-Geral da Justiça, os Juízes-Corregedores Coordenadores do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) e o Desembargador Presidente do Fórum Interinstitucional Carcerário (FIC), representando o TJRS; II – Coordenadora-Geral de Combate à Tortura e Graves Violações de Direitos Humanos (CGCT), da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, representando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; III – O Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do RS ou advogado(a) por ele indicado(a), IV – Um(a) Defensor(a) Público(a), representando a Defensoria Pública do RS; V – Um(a) Procurador(a) ou Promotor(a), representando o Ministério Público/RS; VI – O Secretário dos Sistemas Penal e Socioeducativo do Estado do RS ou pessoa por ele indicada; VII – O Superintendente dos Serviços Penitenciários (Susepe) ou pessoa por ele indicada; e VIII – Um(a) integrante da Frente dos Coletivos Carcerários do RS, representando a sociedade civil.
Importante destacar que o sistema prisional foi fortemente atingido. Um dos vários exemplos foi a cidade de Charqueadas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, local afetado pelo aumento do nível do Rio Jacuí. Na ocasião, a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) precisou transferir em torno de 1.057 presos da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC). Uma força-tarefa que exigiu uma atuação não só da Susepe, mas de todos os outros órgãos envolvidos e comprometidos com a segurança pública de todos os cidadãos atingidos dentro e fora das prisões.
Há de se potencializar a compreensão de que dentro do contexto que estamos vivendo, há uma sensação de insegurança e aumento de crimes, mas também há de se reforçar que vivemos um Estado de Coisas Inconstitucional, já reconhecido pelo STF no julgamento da ADPF 347 que reconhece o caótico cenário das prisões brasileiras, incluindo as gaúchas. Exatamente por isso, muitas prisões podem e devem ser revistas para uma possível progressão de regime, de acordo com cada caso. Jamais será uma orientação de liberação geral. Mas cumprir com a lei, observando todos os requisitos e necessidade do caso concreto para não reforçar violações e prisões ilegais, além de garantir a dignidade de quem está em cumprimento de pena.
4) O Enfrentamento da criminalidade nas áreas alagadas e nos abrigos
A maior tragédia climática a atingir o RS está impactando também a violência e a criminalidade, pois outro grande desafio enfrentado é a ação de saqueadores nas casas, prédios, empresas, indústrias e comércio alagados, além da prática de saques, roubos, vandalismo e estupros dentro dos abrigos. Segundo o Secretário da SSP/RS, a segurança pública do estado tem dois focos neste momento:1) O combate ao crime, visando coibir os saques e a atuação das facções nas áreas alagadas; e 2) O combate aos crimes dentro dos abrigos e garantir a segurança das pessoas que estão lá.
Para tanto, além do emprego da totalidade dos integrantes das forças estaduais de segurança, o Ministro da Justiça e Segurança Pública determinou o envio de 300 integrantes da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) ao RS, que estão atuando em diversas frentes. Além de auxiliarem na segurança dos abrigos, prestarão apoio ao policiamento ostensivo no estado e no enfrentamento da criminalidade nas áreas alagadas, com ações de patrulhamento e abordagens terrestres e aquáticas.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou ao RS reforços de mais de mil servidores, sendo que, além da FNSP, estão atuando também agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Penal Federal.
Este relato de algumas ações de segurança pública neste momento difícil e peculiar do RS não tem a pretensão de esgotar o assunto. Pelo contrário, são apontamentos iniciais de grandes desafios, ações e desdobramentos que fazem e continuarão fazendo parte da atuação de todas as instituições de segurança pública e do sistema de justiça criminal do RS para enfrentar este período de calamidade e que requer (ainda) mais esforço por parte dos seus profissionais, ressaltando a preocupação destes órgãos quanto aos reflexos futuros na segurança pública das áreas atingidas.