A política de meio ambiente e o PL 3.045/2022: a autonomia do poder de polícia do IBAMA em xeque
É desejável o veto presidencial ao inciso XVIII do art. 5º, bem como ao inciso VII do art. 6º, para excluir a competência das polícias militares de 'participar do planejamento das políticas públicas' na área ambiental e para excluir a promoção de ações de educação ambiental da competência dos corpos de bombeiros militares, além do veto à inclusão dessas corporações no SISNAMA
Márcia de Alencar
Membro do CNPCP/MJSP, Diretora Executiva do IBEP e ex-Secretária de Estado da SSP/DF
O Projeto de Lei 3.045/2022 institui a Lei Orgânica das Polícias e dos Bombeiros Militares. Aprovada em 7 de novembro de 2023 pelo Senado Federal, a proposição é oriunda do PL 4.363/2001, de iniciativa do Poder Executivo.
O Senado Federal aprovou a matéria apenas com emendas de redação, sem acatar nenhuma das emendas de mérito apresentadas nas Comissões de Segurança Pública e Constituição, Justiça e Cidadania. Vale ressaltar que o projeto não tramitou nas Comissões de Meio Ambiente das duas Casas do Congresso Nacional.
Com a aprovação do PL 3.045/2022 pelo Congresso Nacional sem alterações em relação ao texto da Câmara dos Deputados, criou-se uma expectativa de que haja o veto presidencial em dispositivos que apresentam evidente inconstitucionalidade em relação às competências típicas do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.
De forma estrutural, a inconstitucionalidade, bem fundamentada pela Nota Técnica do IBAMA[2], se dá no § 3º do Art. 2° do texto enviado a sanção. A Constituição Federal, no inciso VI do art. 23, estabelece como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. O § 3º do art. 225 da CF dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Portanto, a CF aponta que a responsabilização por dano ao meio ambiente deve ser avaliada sob três perspectivas distintas: criminal, administrativa e cível.
O PL 3.045/2022 propõe atribuir às polícias militares e aos corpos de bombeiros militares competências administrativas que são dos órgãos do SISNAMA, definidos no art. 6º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, inclusive permitindo que essas corporações lavrem autos de infração e apliquem sanções administrativas.
As forças militares são essenciais na prevenção e combate aos crimes ambientais, aos incêndios florestais e acidentes com resíduos perigosos. Contudo, as competências atribuídas no projeto definem a responsabilidade para que essas forças exerçam o poder de polícia administrativa ambiental, juntamente com os órgãos do SISNAMA.
Essa iniciativa legislativa é inconstitucional e sua aplicação conflita diretamente com as atribuições já definidas na Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que fixa normas para o exercício da competência ambiental envolvendo todos os entes federativos.
O inciso VII do art. 5º do PL nº 3.045/2022, por sua vez, vem reforçar essa inconstitucionalidade ao gerar conflito de competências da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 supracitada, apresentada também na Nota Técnica da Coordenação Geral de Fiscalização do IBAMA[3].
A responsabilização por dano ambiental deve ocorrer nas três esferas públicas de forma independente, com órgãos especializados atuando de forma complementar. O órgão ambiental é, pela especificidade da matéria, o mais indicado para apurar infrações administrativas e violações à licença ambiental expedida, embargar empreendimentos e operar sistemas de informação geográfica para detectar desmatamentos ilegais. Por sua vez, as polícias possuem a expertise na identificação de autoria e materialidade dos crimes e estão mais bem equipadas para enfrentar situações de delitos.
Nesse contexto, a autoridade ambiental pode contribuir com informações de alertas sobre desmatamento, existência ou não de licenças ambientais, dados do responsável pelo imóvel e características do local do delito. Em contrapartida, as forças policiais também podem ser acionadas para reforçar a segurança de operações de fiscalização, bem como conduzir os infratores em caso de crime, quando forem demandadas pelo setor ambiental, com o devido respeito às respectivas áreas de especialização.
Por decorrência, é desejável o veto presidencial ao inciso XVIII do art. 5º, bem como ao inciso VII do art. 6º, para excluir a competência das polícias militares de “participar do planejamento das políticas públicas” na área ambiental e para excluir a promoção de ações de educação ambiental da competência dos corpos de bombeiros militares, além do veto à inclusão dessas corporações no SISNAMA.
Atendidas as recomendações, evita-se a incidência em inconstitucionalidade, previnem-se conflitos de competência entre órgãos da Administração Pública e preserva-se a especialidade de cada um em sua área de atuação.
Por outro lado, a sanção dos dispositivos citados pode resultar em mais uma legislação que enfraquece o poder civil e, por consequência, o Estado Democrático de Direito, e fortalece a tese dos “dois enclaves institucionais” (SOARES, 2023)[4] presentes na Constituição Federal.