A morte de Matthew Perry: Pode alguém se afogar em uma banheira?
Para a ocorrência de um afogamento, não se faz necessária uma submersão completa do corpo. Casos de pessoas que sofrem ataques epiléticos, embriagadas e crianças constituem exemplos de que pequenas lâminas d’água e até mesmo em pequenos recipientes podem ser produzidos afogamentos
Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No último sábado do mês de outubro, dia 28, Matthew Perry, ator americano que imortalizou o personagem Chandler Bing da série de TV Friends, uma das mais bem sucedidas dentro de seu gênero, foi encontrado morto em uma banheira (do tipo jacuzzi) da casa onde morava, na cidade de Los Angeles. O ator faleceu aos 54 anos de idade. As informações divulgadas pela mídia apresentaram como suspeita inicial a versão de que Matthew tivesse se afogado.
O corpo foi encontrado por um funcionário do ator que, segundo consta nas matérias jornalísticas, teria saído para cumprir tarefas solicitadas pelo próprio Matthew. Ao retornar à residência, por volta das 16h, teria se deparado com o ator desacordado na banheira. Imediatamente o funcionário teria ligado para as autoridades dizendo que Perry havia sofrido uma parada cardíaca. Paramédicos que compareceram ao local teriam tentado em vão reanimá-lo e o ator foi declarado morto, sem mesmo ter sido encaminhado a um hospital.
Matthew apresentava um longo histórico de dependência química em remédios e álcool. Atualmente o ator alegava estar livre dessa dependência. Perry contou detalhes da sua trajetória na tentativa de se desvencilhar do problema no livro de memórias “Friends, Lovers, and the Big Terrible Thing: A Memoir“, no qual relata que quase morrera aos 49 anos de idade pela utilização de opioides como analgésicos.
As poucas informações sobre a perícia no local do fato (local tratado como morte suspeita) revelam que não foram encontrados indícios de crime e nem a presença de drogas ilícitas.
O exame cadavérico (necrópsia) foi inconclusivo quanto à causa da morte, o que nos leva a supor que o afogamento não tenha sido a causa real do óbito, uma vez que, no afogamento clássico, são verificados sinais característicos de asfixia em meio líquido, em especial no aparelho respiratório. A suspeita recai então para uma morte associada à ingestão de substâncias. Os testes iniciais indicaram que a morte não foi provocada por uma overdose de fentanil ou metanfetamina. Essa informação foi divulgada sem maiores detalhes, como, por exemplo, a razão de as autoridades encarregadas da investigação suspeitarem especificamente dessas duas substâncias. Também foi informado que “as autoridades de Los Angeles aguardam os resultados de exames toxicológicos completos para determinar a causa da morte e que tais resultados podem demorar semanas”.
É importante destacar que o objetivo dos legistas é descobrir se, de alguma forma, uma substância possa ter sido a causa, ou mesmo ter contribuído para a morte.
Quanto ao afogamento, aproveitamos para esclarecer que uma ocorrência desse tipo pode estar associada a três etiologias: acidental, homicida e suicida. A modalidade acidental é sem dúvida a mais frequente. É importante lembrar que, para a ocorrência de um afogamento, não se faz necessária uma submersão completa do corpo. Casos de pessoas que sofrem ataques epiléticos, embriagadas e crianças constituem exemplos de que, em pequenas lâminas d’água e até mesmo em pequenos recipientes podem ser produzidos afogamentos.
Em locais delimitados (fechados), tais como piscinas, banheiras etc., o local onde o corpo é encontrado ganha importância, pois representa exatamente o próprio local do evento afogamento. Nesses locais o perito deve buscar caracterizar todos os elementos disponíveis. Em piscinas, é preciso descrever se há estruturas de proteção, como grades, capas protetoras etc. O volume de água, mesmo que estimado, deve ser obtido. O acesso até a piscina deve merecer uma minuciosa descrição.
A presença de cogumelo de espuma e outras características do cadáver afogado típico, como cianose da face, pele anserina ou arrepiada (pelos eriçados pela ação da baixa temperatura) constituem elementos sugestivos do afogamento.
Sobre o que ainda pode resultar o caso de Matthew Perry, temos como real possibilidade que alguma substância química seja detectada pelos testes toxicológicos. O afogamento pode ainda representar uma possibilidade, independentemente desses resultados. Uma parada cardiorrespiratória poderia também ter ocorrido e o afogamento ter sido secundário.
Quanto ao diagnóstico diferencial, os elementos iniciais permitem reforçar as hipóteses de morte natural e de morte acidental, sem contudo descartar um evento suicida. Um homicídio, por enquanto, está praticamente descartado.