A importância dos dados de apreensão de drogas ilícitas
Esperamos que os dados sobre as apreensões ensejem debates profícuos entre gestores públicos, acadêmicos e interessados em geral na temática e que estes subsidiem a qualificação dos dados e impulsionem novos paradigmas na disponibilização de informações e de evidências sobre drogas no país
Maurício Fiore
Diretor de Pesquisa, Avaliação e Gestão de Informações da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública SENAD/ MJSP
Natália Neris
Coordenadora-Geral de Ensino e Pesquisa da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública SENAD/ MJSP
Paula Barros
Consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A nova seção de dados sobre drogas presente no Anuário Brasileiro de Segurança Pública é mais uma grande contribuição do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Trata-se, também, de mais um fruto da parceria entre o FBSP e a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SENAD/MJSP) no sentido de qualificar o debate e subsidiar as políticas sobre drogas com base em evidências.
FBSP e SENAD estão firmando um acordo de cooperação para compartilhamento, consolidação e análise dos dados referentes às drogas no campo da segurança pública. Os dados reunidos anualmente pelo FBSP em seu Anuário são referência para gestores e especialistas no campo e a SENAD entende que essa experiência contribui para um de seus grandes objetivos, que é a reconstrução do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, o OBID. Instituído pelo Decreto n.º 4.345, de 26 de agosto de 2002, o OBID foi um repositório de pesquisas até ser paralisado em 2019. Em 2023, a SENAD iniciou sua reconstrução para que ele seja uma referência para dados sobre drogas no país e, assim, seguir a recomendação dos principais organismos internacionais, que apontam a importância dos observatórios nacionais para o subsídio às políticas públicas e a qualificação na informação oferecida à sociedade.
Os dados sobre as apreensões de drogas ilícitas pelas forças policiais federais e estaduais, reunidos pelo FBSP e sobre os quais apresentamos esta breve análise introdutória, são exemplos do tipo de dado que o OBID precisa oferecer à sociedade; ao mesmo tempo, suas lacunas apontam para desafios concretos na sistematização dos dados a respeito do tema.
Antes de tudo, recomenda-se cautela na análise dos dados de apreensões de drogas ilícitas. O crescimento da quantidade apreendida de uma substância não é, quando tomado isoladamente, um indício cabal de aumento da prevalência do consumo ou do trânsito dessa droga pelo país, na medida em que esses fenômenos podem ser uma decorrência, por exemplo, da maior eficácia da atividade policial. O contrário é, sem dúvida, verdadeiro, ou seja, o aumento ou a diminuição da quantidade de drogas apreendidas não podem ser tomados como parâmetros isolados do sucesso ou do fracasso das ações de repressão à oferta, já que estão relacionados, entre outras coisas, a mudanças no perfil de produção, nas rotas de distribuição e nas dinâmicas do mercado consumidor de substâncias psicoativas ilícitas.
Feito esse preâmbulo, é necessário destacar a origem dos dados apresentados. Parte significativa foi compilada pela Polícia Federal e pode incluir informações de outras instituições federais de segurança pública devido à diferenciação de competências de polícias administrativas e judiciárias. Ressalta-se, também, que os dados foram processados e elaborados pelo FBSP, que tomou como medida a conversão das quantidades informadas em gramas para quilogramas, a fim de garantir a padronização e uma maior robustez. Os dados referentes a tráfico, posse e uso e registros de apreensão de drogas, por sua vez, tiveram fontes diversas, como Secretarias Estaduais de Segurança Pública e Polícias Civis, e se referem aos registros de boletins de ocorrência nas delegacias estaduais.
No tocante aos dados de apreensão de maconha e de cocaína, em nível federal, entre os anos de 2013 e 2023, observou-se uma relativa estabilidade em termos absolutos nos três últimos anos da série histórica. Para a maconha, incluindo insumos e derivados, foram apreendidas 222,57 toneladas no primeiro ano da série, em contrapartida ao número final que, em 2023, superou as 416 toneladas, um aumento de 87% entre os extremos da série histórica. Quando se analisa a variação percentual, ocorreu de 2018 para 2019 uma leve redução de 0,8%, seguida por um aumento notável de 105,4% entre 2019 e 2020, atingindo o pico da série, um total de 546,44 toneladas apreendidas. Por outro lado, para cocaína, cujo volume de peso esperado é menor que o da cannabis, também se verificou um viés de alta a partir de 2017, e, então, uma tendência de estabilidade perto das 100 toneladas até 2023.
Como estamos falando de dados sobre as fiscalizações de nível federal, é importante ressaltar algumas similitudes e diferenças entre essas duas drogas. Parte minoritária da maconha consumida no Brasil é produzida internamente, mas não há rotas de exportação no nosso território, seja do produto nacional, seja do produto importado de países vizinhos. Já a cocaína, produzida integralmente fora do país, cruza as fronteiras e abastece o mercado consumidor interno e, por meio de plataformas aéreas e marítimas, também segue em direção a outros mercados, notadamente na África e na Europa. Portanto, a diminuição na quantidade de cocaína apreendida, como ocorreu na Região Norte em 2023, depois de um pico de apreensões em 2022, pode guardar relação exatamente com o sucesso na repressão a determinadas rotas e, assim, a novas dinâmicas do tráfico internacional para se adaptar a estas dificuldades.
Também deve-se ponderar que o trabalho das forças policiais federais, como demonstrado na pesquisa acerca dos processos de tráfico de drogas realizada pelo IPEA e pela SENAD e lançada em 2023,[1] envolve investigações mais longas e focadas em grandes rotas, mirando, inclusive, os ativos das organizações criminosas. Dessa forma, elas acarretam grandes apreensões por vezes em um mesmo evento e podem fazer a média anual crescer desproporcionalmente. Esse pode ser o caso, por exemplo, de picos na quantidade de maconha apreendida em 2017 e em 2020 no Centro-Oeste. Ao mesmo tempo, o crescimento importante no volume de maconha apreendida no Norte desde 2019 soma-se a outras evidências a respeito da maior presença dessa droga com origem em países andinos, notadamente da Colômbia.
Com relação às outras drogas ilícitas, destaca-se o crescimento, entre 2013 e 2023, do volume apreendido, segundo a Polícia Federal, de anfetaminas e de Ecstasy, enquanto há variação negativa para LSD e heroína. Entretanto, é fundamental que os dados de apreensão de outras drogas tenham maior abrangência e refinamento, especialmente quando se considera a tendência mundial do crescimento de consumo de drogas sintéticas, como será discutido brevemente a seguir.
Uma meta da parceria entre a SENAD e o FBSB é justamente que o mapa de apreensões possa abranger de forma sistemática a atuação das polícias civis estaduais. Trata-se de superar uma lacuna histórica, já que, até hoje, os dados de apreensão de drogas ilícitas que são apresentados pelo Brasil às Nações Unidas não englobam aqueles que são resultado das operações das polícias dos 27 estados e do Distrito Federal.
Os dados coletados pelo FBSP em âmbito estadual valem-se, como apontamos anteriormente, de fontes diversas como Secretarias Estaduais de Segurança Pública, de Defesa Social e de Polícias Civis e há algumas lacunas na série histórica que reforçam os desafios na coleta e na padronização dos dados, tanto da natureza como da forma de aferição de quantidade (peso, comprimidos, litros etc.). Para endereçar estes desafios, a SENAD e o FBSP já estão buscando atuar conjuntamente com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e com as delegacias especializadas em drogas nos estados, os DENARCs, que participarão de uma reunião sobre a padronização das apreensões no 18º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, programado para o próximo mês de agosto, em Recife.
Cabe, ainda, uma breve menção aos registros de tráfico e de posse para uso de drogas pelas policiais estaduais. Nota-se um crescimento importante, com variação de cerca de 10%, quando se consideram os dados nacionais agregados entre 2013 e 2023, nos casos de tráfico de drogas, e de 34,3% nos casos de posse para uso. Mas merecem ainda mais destaque as variações, neste intervalo, dos dados intraestaduais, como, para citar dois exemplos gritantes, os casos de tráfico de drogas em Roraima, que cresceram 1.197% (saltaram de 40 casos em 2013 para 519 em 2023), e de posse para uso no Rio Grande do Norte, que subiram 1.605% (de 71 para 1.211 registros) no período.
Por fim, esperamos que os dados sobre as apreensões – com seus limites e possibilidades – ensejem debates profícuos entre gestores públicos, acadêmicos e interessados em geral na temática e que estes subsidiem a qualificação dos dados e impulsionem novos paradigmas na disponibilização de informações e de evidências sobre drogas no país.