A DEFESA CIVIL E A CRISE DE SÃO SEBASTIÃO
Ao fim e ao cabo, são a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, órgãos centrais no sistema de Defesa Civil do Estado, que estão à frente da contenção de danos, do socorro às vítimas, da evacuação de moradores, do amparo a desabrigados e da manutenção da paz pública local
Glauco Silva de Carvalho
Bacharel em Direito (USP), mestre e doutor em Ciência Política (USP). Coronel da reserva da PMESP, foi diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos e Comandante do Policiamento na Cidade de São Paulo.
A origem da Defesa Civil no mundo está ligada aos pesados bombardeios alemães sobre a Londres dos anos 1940-41. O forte empenho das tropas militares na defesa do território e o emprego massivo de policiais e bombeiros na contenção das catástrofes decorrentes das explosões, incêndios e resgate de pessoas levaram o governo inglês a criar a Civil Defense para o enfrentamento das crises.
Em São Paulo, a origem da Defesa Civil remonta a 1976, com a edição do Decreto 7.550, de 9 de fevereiro de 1976, que instituiu o Sistema Estadual de Defesa Civil. Incrivelmente, um dos fatores que levaram à criação da Defesa Civil do Estado foi exatamente uma crise decorrente de pesadas chuvas que ocorreram, sabem onde? No litoral norte de São Paulo, em 1967, 55 anos atrás.
Era 18 de março de 1967 e chovia torrencialmente havia alguns dias. Nesse fatídico dia 18, uma tempestade torrencial inundou a cidade e trouxe abaixo parte da encosta. Dados oficiais indicam cerca de 500 mortos. A história oral, no entanto, afirma que foram mais de 4.000 mortos.
Esse cataclisma, mais os incêndios do Joelma e do Andraus, levaram à criação da Defesa Civil do Estado de São Paulo, dez anos depois do desmoronamento de Caraguá, como é conhecida a região.
Se, por um lado, podemos comemorar o fato de o Estado de São Paulo ter uma estrutura moderna, ágil, coordenada e organizada, por outro é para lastimar que, passado mais de meio século, vemos o mesmo tipo de tragédia ocorrer a poucos quilômetros de Caraguatatuba.
O fato é que tais tragédias acossam, quase sempre, a população mais carente, pobre e desprotegida da sociedade. Lastimavelmente, São Sebastião, o município que abarca a Barra do Sahy, local onde o maior número de vítimas é estimado (mais de 60 até o presente momento), é um dos municípios com os maiores repasses de royalties do território paulista.
Poderia, ao menos, ter empregado parte desse montante (que gira em torno de mais de R$ 100 milhões) para proteger a população mais vulnerável da região, quer seja construindo moradias populares decentes em regiões seguras, quer seja atendendo aos alertas de órgãos técnicos que indicavam a catástrofe iminente.
O descaso de certas autoridades políticas e elites insensíveis ao dilema moral da pobreza no Brasil leva ao caos e ao sentimento de abandono e desprezo. O radicalismo é sempre a resposta a tais encruzilhadas.
Ao fim e ao cabo, são a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, órgãos centrais no sistema de Defesa Civil do Estado, que estão à frente da contenção de danos, do socorro às vítimas, da evacuação de moradores, do amparo a desabrigados e da manutenção da paz pública local.
Se é motivo de orgulho termos um sistema tão eficaz, poderíamos nos orgulhar ainda mais se o poder púbico nos privasse de catástrofes desse tipo e preservasse a vida dos mais carentes.
Até quando?!