Múltiplas Vozes 03/12/2025

A coleta de material genético nas audiências de custódia: quais as novidades?

A identificação e o enquadramento dos sujeitos como criminosos são fatores determinantes para efetivação de políticas criminais atuariais que se aperfeiçoam a partir de tecnologias cada vez mais capilarizadas

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Rogério Bontempo Gontijo

Graduado e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Editor-executivo da RELAC (Revista Latino-americana de Criminologia) e membro dos grupos NEVIS/CEAM/UnB e GCCrim/PPGD/UnB

Cristina Zackseski

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Vice coordenadora do NEVIS/CEAM/UnB. Editora da RELAC (Revista Latino-americana de Criminologia)

A coleta de DNA e a elaboração de perfis genéticos de forma institucionalizada e regulamentada, enquanto política pública de segurança pública e técnica probatória para persecução e investigação criminal, foi efetivada recentemente no Brasil. A identificação genética entrou para o rol das possibilidades técnicas como meio para identificação e produção de provas formalmente em 2012, com a Lei n. 12.654 (cuja vigência alterou o conteúdo da Lei de Execução Penal (LEP) e a Lei n. 12.037, que trata da identificação criminal do civilmente identificado) e, em 2013, com o Decreto Federal n. 7.950.

Esse primeiro gesto na direção da identificação genético-criminal deu-se, porém, num contexto incipiente, tanto do desenvolvimento dos termos legislativos da coleta e armazenamento dos perfis, quanto da sua prática forense, que necessitava ainda de uma maior consolidação de laboratórios, treinamento de agentes e adoção e padronização nacional da política (através da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos – RIBPG).

Até a Lei n. 12.654/2012 o cenário brasileiro da identificação genético-criminal, segundo a legislação, estava conformado da seguinte maneira:

  • a inclusão da coleta de material genético como meio para identificação criminal;
  • a obrigatoriedade da coleta, por técnica adequada e indolor, para condenados por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa ou por quaisquer daqueles que praticassem os crimes previstos no artigo 1º da Lei de Crimes de Hediondos;
  • o armazenamento das informações dos perfis genéticos, consignadas em laudo pericial oficial, mantidas em bancos de dados gerenciados por unidade de perícia criminal;
  • as informações dos perfis sem revelar traços somáticos ou comportamentais, exceto determinação genética de gênero e terão caráter sigiloso, com previsão de responsabilidade civil, administrativa e criminal para quem permitir ou promover sua utilização distinta aos fins previstos na referida lei;
  • a possibilidade de requerimento por autoridade policial, federal ou estadual, ao juiz competente, no inquérito, para acesso ao banco de dados oficial de identificação genética;
  • a exclusão dos perfis ocorrerá no término do prazo de prescrição do delito pelo qual a pessoa foi investigada ou por ele condenada.

Mais adiante, em 2019, com a Lei n. 13.964 (Lei “Anticrime”), algumas modificações foram acrescidas ao arcabouço legal desse tema. Destacavam-se a exclusão dos crimes hediondos e o acréscimo dos condenados por crimes dolosos contra a liberdade sexual e sexuais contra vulneráveis. Além disso, a Lei “Anticrime” ressaltou a necessidade de garantir a proteção dos dados genéticos, a viabilidade ao titular de ter acesso a esses dados e os documentos da sua cadeia de custódia, bem como o descarte imediato da amostra biológica utilizada para elaboração do perfil. Ademais, foi definido o acréscimo da vedação da utilização dos métodos de fenotipagem genética ou de busca familiar, e a previsão de falta grave para a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento. Por último, determinou-se que a exclusão dos perfis ocorrerá com (i) a absolvição ou (ii) decorridos 20 anos do cumprimento da pena, mediante requerimento.

Recentemente, novas alterações legislativas sobre o tema vieram a sanção. Com a Lei n. 15.272/2025, além do que havia sido alterado nas referidas leis, o Código de Processo Penal ganhou o artigo 310-A. Nele, disciplina-se o dever do Ministério Público ou da autoridade policial de requerer ao juiz a coleta de material biológico para elaboração e armazenamento de perfis genéticos (na forma da Lei n. 12.037/2009) nos casos de prisões em flagrante pelos seguintes crimes: os praticados com violência ou grave ameaça contra a pessoa; contra a dignidade sexual; por agente com indícios de que integre organização criminosa armada; ou pelos crimes do artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/1990).

Para além do caput, no parágrafo primeiro, determinou-se a preferência para que a coleta seja realizada já na audiência de custódia, ou em até dez dias de sua realização. No parágrafo segundo, ressalta-se que o material biológico deverá ser coletado por agente público treinado e em atendimento aos procedimentos de preservação da cadeia de custódia. Tudo isso em atenção às normativas em vigor e com complementação dos órgãos de perícia oficial de natureza criminal.

Diante disso, o que é trazido pela Lei n. 15.272/2025 firma uma política criminal que vem se consolidando no sentido de expandir os casos de incidência do dispositivo de identificação genético-criminal para mais crimes e em outras situações anteriores à condenação. Agora, o dever de coleta retorna aos amplos casos da Lei de Crimes Hediondos, que haviam sido retirados do rol da LEP pela Lei n. 13.964, em 2019, sendo que o perfil genético deve ser providenciado já na prisão em flagrante, em audiência de custódia, determinando a busca de dados pessoais sensíveis ainda mais cedo na persecução penal.

Trata-se, portanto, de uma tecnologia de controle social situada no contexto de expansão do escopo de vigilância do Estado, mediante um modelo gerencialista e atuarial do crime. A identificação e o enquadramento dos sujeitos como criminosos são fatores determinantes para efetivação de políticas criminais atuariais que se aperfeiçoam a partir de tecnologias cada vez mais capilarizadas, como é o caso desta aqui narrada. Essa nova alteração legislativa, então, representa mais um passo no sentido da ampliação do Estado de polícia[1] e de seus instrumentos de controle social, à revelia dos direitos fundamentais, sobretudo os direitos à não autoincriminação, à proteção de dados pessoais e à autodeterminação informacional genética[2].

 

Referências
[1] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
[2] GONTIJO, Rogério Bontempo Cândido. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DAS PESSOAS PRESAS E INVESTIGADAS NO BANCO NACIONAL DE PERFIS GENÉTICOS: uma análise criminológico-crítica da identificação genético-criminal enquanto tecnologia de gestão biopolítica e de controle social. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília/UnB – Brasília, 2024.

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